quinta-feira, 2 de abril de 2015

Chibata! João Cândido e a Revolta que Abalou o Brasil - Hermeterio e Olinto Gadelha

Com o movimento republicano em fins do século XIX, o Brasil tinha uma proposta de rompimento com a herança deixada por uma independência política que trouxe consigo toda a tradição patrimonialista desde o início da colonização. Feita a república, rapidamente entram em cena novos atores, mas o roteiro continua basicamente o mesmo. Passam a dominar o país as elites agrárias, sob forma de oligarquia. Deliberações do Convênio de Taubaté eram mais importantes do que a penúria causada pela seca no nordeste ou as péssimas condições de vida dos pobres nas cidades. Em alguns momentos o povo, cansado de tudo isso, explodiu em fúria, tanto no campo como nas cidades, no que os livros didáticos intitulam revoltas da República Velha.

Chibata! João Cândido e a Revolta que Abalou o Brasil conta na forma de quadrinhos um dos mais famosos desses movimentos do início do século passado, e a comovente biografia de seu líder. O ano era 1910. Mais de duas décadas haviam se passado desde a abolição da escravidão no Brasil, mas a marinha ainda reproduzia com os marujos, a maioria negros e mulatos pobres, o tratamento dispensado aos escravos nas lavouras de café. Péssimas condições de higiene e alimentação já seriam suficientes para tal comparação, mas a analogia se tornava completa com a aplicação de chibatadas nas costas dos que praticavam mínimos atos de indisciplina. No dia 22 de novembro, os marinheiros liderados por João Cândido demonstraram seu descontentamento tomando o comando da frota ancorada na Baía da Guanabara, incluindo o maior navio de guerra do mundo na época, apontando os canhões para a capital brasileira de então. João Cândido se tornou então, de fato, o primeiro almirante negro do Brasil. Os revoltosos conseguiram sair vitoriosos, com a abolição da chibata e o governo se dobrando publicamente, mas a classe dominante brasileira não deixou por isso mesmo: duas semanas depois, após outro motim que nada teve a ver com a primeira revolta, o governo encontrou o pretexto necessário para incriminar João Cândido e os outros envolvidos, impondo-lhes uma terrível punição.

O que Hermeterio e Olinto Gadelha fizeram foi prestar uma homenagem digna a esta passagem épica de nossa história e seu valoroso líder que, após se conhecer sua história e todo o sofrimento de sua vida, não há como não se conformar em não tê-lo como um grande herói nacional. Apesar de incluir diversas passagens e personagens fictícios na narrativa, fica claro que os autores se esforçaram em pesquisar o contexto histórico e o visual da época. Os quadros são bem ricos em detalhes, sobretudo na caracterização dos navios de guerra. O roteiro flui suave, como deve ser toda narrativa em quadrinhos, e os desenhos são ótimos. Toda a criação faz jus a essa história tão importante na luta do povo brasileiro contra a opressão. O trabalho foi lançado em 2008, mesmo ano em que João e seus companheiros finalmente receberam a anistia oficial do governo e da marinha, quase um século depois da heroica revolta. Hoje João Cândido tem seu nome no livro de heróis da pátria e há uma estátua sua na Praça XV, Rio de Janeiro.

Chibata! é um excelente álbum em quadrinhos e merece ser lido prontamente por qualquer um que curta a nona arte e história. Além disso, destaco a obra como ótimo recurso pedagógico, pois tenho a experiência de utilizá-lo com meus alunos com resultados muito satisfatórios. Porém o livro está fora do catálogo da editora por causa de um triste fato: em 2013, a Conrad foi condenada por plágio por conta desse álbum. Os autores foram acusados de utilizarem sem permissão personagens e passagens da peça teatral João Cândido do Brasil: A Revolta da Chibata, de César Vieira. Agora e talvez para sempre, só de segunda mão. Uma pena.

Editora: Conrad
Páginas: 218
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * * *