sexta-feira, 22 de abril de 2011

Crazy Cock - Henry Miller



Paris, 1934. O escritor americano Henry Miller publica seu primeiro livro, Trópico de Câncer, alcançando imediato reconhecimento e abrindo as portas de sua carreira. A partir de então, Miller passa a se dedicar exclusivamente à literatura, ganhando a vida como sempre desejou, até morrer confortavelmente no sul da Califórnia, aos 88 anos.

A chamada acima pode sintetizar os sonhos de quase todas as pessoas que almejam o ofício de escritor, e parece que Henry Miller foi agraciado pelo destino com as coisas tendo saído tão perfeitas - sucesso logo no primeiro romance, na Paris da década de 30, capital mundial da cultura ocidental da época. Contudo, a história torna-se menos colorida se acrescentarmos um dado na biografia do autor: tudo isso ocorreu somente quando ele tinha 44 anos. Até então, Henry Miller era um cidadão humilde de Nova Iorque, que fizera de tudo na vida para se sustentar, mas ao mesmo tempo não conseguia permanecer em nenhuma atividade por reconhecer sua verdadeira vocação na escrita - e por conta disso, era discriminado pela própria família.

Antes de decidir largar tudo de vez e partir para a França para escrever e publicar Trópico de Câncer, Miller alternava bicos e empregos temporários com a elaboração e a produção de livros que ninguém conhecia/reconhecia, e um desses manuscritos deu origem a Crazy Cock, publicado então somente na década de 60, a partir de um manuscrito improvavelmente recuperado. A história da época da produção desse livro é bem descrita na introdução da edição que li:

"Corria o ano de 1927. A segunda mulher de Henry Miller acabara de fugir para a Europa com sua amante lésbica, e ele se recuperava de um longo período que chamou 'desintegração nervosa'. Humilhado e sem dinheiro, ele se vira obrigado a voltar para a casa de seus pais, perplexos com a incapacidade desse filho de 36 anos de viver à altura das expectativas eminentemente burguesas da família. Em desespero, aceitara um emprego sem futuro em um escritório oferecido por um rival dos tempos de infância. Uma noite, porém, permaneceu na firma depois do expediente e começou a datilografar sem parar. Passada a meia-noite, uma pilha de páginas datilografadas em espaço um - uma torrente de palavras - repousava ao lado. Eram notas para o livro que Miller sentiu estar fadado a escrever: a história de seu casamento com June, do amor desta por Jean Kronski, e de sua própria e total degradação com a traição da mulher. Essas notas se transformariam em Crazy Cock, terceiro romance de Henry Miller e seu mais seguro passo em direção a Trópico de Câncer, a grande realização literária que viria poucos anos depois."

O ponto alto da produção literária de Henry Miller são os livros nos quais ele transforma suas experiências pessoais em prosa de altíssima qualidade, mais especificamente os anos ao lado de June, sua musa maldita. Em Crazy Cock, Miller aborda o conturbado período na década de 20 em que viveu com June e Jean, até a fuga destas para a Europa - tema que foi retomado na trilogia A Crucificação Encarnada, publicada entre 1949 e 1960. A ideia inicial para o título era Lovely Lesbians (Amáveis Lésbicas), mas como a prosa é voltada para o protagonista, e não para as duas mulheres, houve a alteração para Crazy Cock (Pinto Louco).

Sendo basicamente um protótipo da escrita posterior de Henry Miller, Crazy Cock é algo diferente de seus livros mais famosos. A narração autobiográfica em primeira pessoa, característica marcante do autor, é substituída pela utilização de personagens em terceira pessoa (Miller é Tony Bring, e as mulheres têm os pseudônimos Hildred e Vanya), certamente uma demonstração de insegurança do escritor inexperiente. Além disso, é uma narração mais linear, mais lógica do que em Trópico de Câncer, porém já apresentando algumas passagens introspectivas próprias de Henry Miller. Outro importante ingrediente milleriano que falta nesse livro são as famosas descrições de atos sexuais, apesar do título sugestivo - um aspecto da obra de Miller que proporcionou seu banimento na moralista e hipócrita América durante décadas.

Crazy Cock é um livro muito tenso, que consegue passar para o leitor o que acontece na cabeça de um homem que, por conta de um amor absurdo, obsessivo, talvez doentio, se submete a dividir o mesmo teto com sua mulher e a amante lésbica, sendo sempre colocado em segundo plano pelas duas. Um livro escrito por um grande autor ainda inexperiente, mas nem por isso sem qualidade.

Me interessei em ler este livro porque Henry Miller é um dos autores mais importantes para mim, um verdadeiro herói literário, alguém com quem eu quero parecer quando crescer, e recomendo essa boa leitura para qualquer um, mas para quem ainda não o conhece, sugiro a leitura de algum de seus livros mais marcantes, pois não dá para comparar esse trabalho da época de amador com os livros que o deixaram famoso. Trópico de Câncer causou em mim uma grande revolução mental na minha época de adolescência, e até hoje pego ocasionalmente para reler trechos marcantes. É uma relação tão especial que tenho com esse livro que talvez por isso eu não consiga escrever mais detalhadamente sobre ele aqui no blog e tenha que pegar outros trabalhos menores para poder falar de Henry Miller, mas a dica está dada.

Editora: Siciliano
Páginas: 198
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * *

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Superfreakonomics - Steven Levitt e Stephen Dubner


Em 2005, o economista Steven Levitt e o escritor Stephen Dubner se juntaram para escrever um livro de economia diferente de todos os outros já lançados, que abordasse situações cotidianas através de uma ótica bem incomum, estranha até, e daí surgiu Freakonomics (trocadilho entre as palavras economia e estranho), que vendeu 4 milhões de exemplares. Com a proposta de mostrar o "lado escondido" das coisas, o livro insere conceitos de economia nas coisas mais triviais com as quais nos deparamos diariamente, numa linguagem acessível a qualquer leigo no assunto. A capa sugere a surpresa da leitura através da foto de uma maçã verde cortada, e em seu interior o conteúdo de uma laranja.

Fiquei bem interessado nesse livro, mas nunca li e não é sobre ele que vou escrever, mas sim do segundo livro da série, o Superfreakonomics, que como não é uma continuação direta de nenhum assunto tratado no primeiro, pode ser lido sem problemas. A proposta continua a mesma: mostrar o lado desconhecido de certas situações do cotidiano e exemplificar conceitos de economia através de atitudes que qualquer um toma em sua vida, por exemplo, demonstrar que a discriminação de preços, uma estratégia utilizada por empresas monopolistas, também é utilizada pelas prostitutas de rua (tudo bem que nem todos os leitores são prostitutas ou recorrem aos seus serviços, mas há diversos outros exemplos com os quais qualquer um pode se identificar).

Ao longo do livro, muitos assuntos interessantes, bizarros e, por vezes, ridículos são apresentados por essa ótica de um economista nas palavras de um escritor: qual a relação entre o tamanho do pênis dos indianos e o controle de natalidade? Que tipo de pessoas visita asilos? Como fazer seu filho ser um astro dos esportes? Por que a quimioterapia é tão utilizada se é tão ineficaz? E por aí vai. As informações a respeito dos diversos (e às vezes esdrúxulos) assuntos são conseguidas por meio de trabalhos de especialistas em economia ou qualquer outra área, por entrevistas, estatísticas, experiências e interpretações de dados.

Apesar da boa recepção, tanto o Freakonomics como sua sequência receberam algumas críticas por causa da falta de crédito de muitas dessas fontes, de interpretações erradas e de posições controversas. Em Superfreakonomics, o tema mais delicado é o aquecimento global. Neste ponto, os autores foram duramente criticados por diversos especialistas em economia e ciências (incluindo publicações importantes como The Guardian e The Economist), por causa de suas colocações sobre a relativização do papel do dióxido de carbono e a defesa de que o clima global pode ser regulado pela ação humana.

Durante a leitura, também tive essa sensação de que havia muita coisa surpreendente e divertida ali, mas que ao mesmo tempo algumas informações eram meio duvidosas, retiradas de estudos de pesquisadores que ninguém nunca ouviu falar. Além disso, o texto começa leve e agradável, mas através das páginas torna-se cansativo e repetitivo, e atrelado a alguns assuntos não tão interessante, torna a leitura um pouco monótona em algumas passagens. Em suma, Superfreakonomics é um livro diferente e original, com alguns problemas de conteúdo e escrita. Dá pra ler, mas no meu caso não estimulou a leitura do outro livro da série, prefiro devorar um bom manual de economia.

Editora: Campus
Páginas: 247
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

Obs: O preço da edição brasileira é muito alto (como qualquer livro da editora Campus), comprei a edição original importada por 1/3 do valor (e a capa é mais legal, a tal da maçã explodindo, em vez de cortadinha como na foto acima).