quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Tempos Interessantes. Uma Vida no Século XX - Eric J. Hobsbawm


Tempos Interessantes - Uma Vida no Século XX é a autobiografia de Eric Hobsbawm, historiador vivo mais famoso na atualidade. Sua vida em si nada tem de muito interessante que justifique uma autobiografia, mas como diz o título, é como Hobsbawm trata o tempo em que viveu que diferencia este excelente livro de uma bobagem egocêntrica qualquer. Mesmo sem muitas situações emocionantes ou anedóticas, não é muito difícil que alguém que nasceu em Alexandria em 1917, cresceu bilíngue na Áustria e na Alemanha (onde logo tornou-se comunista na época do advento do nazismo) e começou sua vida adulta como órfão pobre na Inglaterra da década de 1930 tenha o bastante para relatar. Acrescente a isso a genialidade de um historiador que interpreta fatos de modo bem originais e escreve de dentro da academia para o mundo leigo e você tem um ótimo livro para vários dias de leitura.

A produção de um autobiógrafo historiador já começa com táticas utilizadas no próprio ofício, ou seja, a utilização de fontes históricas além da própria memória, como fotos e documentos de familiares. Assim tem início o livro, com uma investigação de sua família para mostrar o ambiente em que foi criado, até suas primeiras memórias, e ao longo das páginas, muitos diários e publicações em jornais foram úteis para o então octogenário historiador lembrar o que havia acontecido décadas antes, e ao mesmo tempo tentar interpretar o que se passava na cabeça do jovem Hobsbawm. Entrevistas e diversos outros registros também são amplamente explorados pelo autor para traçar pequenas biografias dentro da autobiografia, de pessoas que cruzaram sua vida e tiveram importância em sua formação, como professores e companheiros de partido.

Se levarmos em conta que Hobsbawm trabalha com o conceito de curto século XX (que vai de 1914 a 1991, ao contrário do longo século XIX, que começa em 1789, com a Revolução Francesa), conclui-se que o autor viveu praticamente durante todo este século e, com exceção da I Guerra Mundial e da Revolução Russa, ele pode ter algum tipo de percepção sobre todos os acontecimentos relevantes para a história do período, a começar pelo advento do nazismo (ele é de família judaica e vivia na Alemanha) e a crise de 1929 aos olhos de uma criança de 12 anos. Uma experiência de vida invejável.

O livro continua através de sua vida posterior na Inglaterra, durante a II Guerra Mundial (quando teve apagada participação, pois era comunista assumido e despertava suspeitas das autoridades inglesas) e na década de 1950, auge de sua produção intelectual. A partir de então, no final da década de 1960, Hobsbawm passa a se sentir mais espectador do que ator nos acontecimentos do mundo, já que admite que, se não conseguia vestir calças jeans, não podia mais se sentir como protagonista - exageros à parte, sua carreira continua a progredir rumo ao estrelato, com as publicações de importantes livros como as continuações de A Era das Revoluções (1962), participações em debates e programas de televisão, aulas em diversas universidades do mundo (inclusive uma visita à Unicamp, em plena ditadura militar), entre outras atividades sem visibilidade do grande público, mas de grande expressão no mundo intelectual. Na verdade, o que Hobsbawm quis dizer foi que, à luz dos acontecimentos de 1968, já sentia-se fora do clima de ação daquela época e podia interpretar os fatos como um observador, mesmo que de forma equivocada - como admite em certo trecho.

Exceto por alguns capítulos muito específicos, como um em que o autor escreve sobre a atividade acadêmica de historiador ou outro em que a política interna britânica é abordada, quase tudo da história do século XX que é analisado por Hobsbawm é muito interessante, mas para mim os quatro últimos capítulos se destacam, onde o autor reserva espaço para discutir a situação dos países que marcaram sua vida: França (especialmente Paris, o centro do mundo para quase todos de sua geração, para onde o autor viajou em todos os anos de sua vida adulta, exceto durante a dominação nazista), Itália (que exerceu atração pelas suas belas localidades e pela particularidade de seu comunismo), o Terceiro Mundo (que não podia deixar de atrair um comunista nessa época) e os Estados Unidos (que o autor considera o centro do mundo atual, como o que foi a França para sua geração, e onde ele passava vários meses do ano dando aulas). Sua análise sobre tais países ultrapassa muito a abordagem de um historiador e de um viajante em férias, sendo a visão perspicaz de um observador que discorre temas tanto do passado como do momento em que escrevia, "De FDR (Franklin Delano Roosevelt) a Bush" como o título de um desses capítulos. Ainda assim, parece que estes últimos capítulos deixam escapar alguns "pormenores" da vida de Hobsbawm, como a perda da virgindade em um bordel parisiense, uma gracinha em relação a aventuras sexuais com sua esposa num parque na Hungria e até a confidência da utilização de um chaveirinho do PT que recebeu quando visitou Porto Alegre durante um governo petista! Escrito em 2002, o livro coloca o PT sendo lembrado com admiração e carinho, e sua criação como um movimento proletário tardio respeitado pelo autor.

Tempos Interessantes é mais um livro de História do que uma autobiografia, mas vale lembrar que em A Era dos Extremos, no qual o século XX é tratado de maneira mais acadêmica e menos passional, Hobsbawm já havia utilizado muito de sua experiência pessoal para tratar de determinados temas, e quem já leu este reconhecerá muitos destes trechos novamente abordados. Tempos Interessantes apresenta uma escrita já familiar a quem costuma ler Hobsbawm: densa - mas não cansativa -, capaz de prender a atenção do leitor durante dias, e acrescentar muita informação de qualidade de modo acessível.

Editora: Companhia das Letras
Páginas: 482
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

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