sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Matadouro 5 - Kurt Vonnegut Jr.

Considerada a obra-prima de Kurt Vonnegut, Matadouro 5, ou a Cruzada das Crianças é um romance baseado nas experiências do autor na Segunda Guerra Mundial, mais especificamente no episódio do bombardeio da cidade de Dresden, tido como um dos maiores massacres de civis da História. A impressão que se tem é que, dada a profundidade dessa experiência em sua vida, este era o livro que Vonnegut tinha que escrever, e o fez tão bem que recebeu resenhas positivas dos mais variados meios literários na época de seu lançamento, além de indicações para os principais prêmios da ficção científica e fantasia, o Hugo e o Nebula, em 1970 (perdeu ambos para A Mão Esquerda da Escuridão, de Ursula le Guin) . No início do livro, sugere-se que um livro desse deveria ser escrito porque as pessoas se interessam muito por histórias fortes de participantes da Segunda Guerra Mundial, e que isso rende bastante dinheiro, mas é óbvio que tal argumento não passa de um artifício de Vonnegut para impor seu característico humor, debochando de si mesmo e de quem quer que pense dessa maneira.

A estrutura de Matadouro 5 é muito parecida com a de outro livro do mesmo autor que já resenhei aqui, Deadeye Dick, uma narração sem rigor cronológico, pela qual já se sabe mais ou menos diversos acontecimentos logo no início, e talvez por isso mesmo fica-se com uma grande curiosidade de como aquilo vai acontecer. Só que em Matadouro 5, essa estratégia é muito mais radical, já que logo no início o autor deixa bem claro seu teor:

"As pessoas não devem olhar para trás. Eu certamente não farei mais isso. Já terminei o meu livro de guerra. O próximo que eu escrever será divertido. Este aqui é um fracasso. E tinha de ser, já que foi escrito por uma estátua de sal. Começa assim:
Escute:
Billy Pilgrim soltou-se no tempo.
Termina assim:
Piu-piu-piu?"

Os acontecimentos durante a guerra são os únicos narrados de forma linear, mas mesmo assim são interrompidos a todo momento por outras passagens da vida do protagonista, aí então de forma bastante caótica.

As primeiras páginas do livro são narradas por um veterano de guerra, uma breve apresentação na qual o leitor é informado sobre o processo de criação do livro. O narrador é obviamente o próprio Vonnegut, mas não fica claro se estas primeiras páginas, nas quais ele fala sobre um antigo colega que o ajuda a relembrar detalhes e uma visita ao matadouro alemão que dá título ao livro, são realmente acontecimentos da vida real ou se já ali inicia a ficção, através de um tipo de alter-ego. De qualquer forma, esta breve introdução só tem a função de criar o clima para o resto do livro, a história de Billy Pilgrim, e ademais nunca foi a intenção do autor escrever uma biografia fiel aos eventos por ele experimentados em Dresden, tanto que a primeira linha do livro diz: "Tudo isso aconteceu, mais ou menos." - a frase foi incluída na lista de 100 melhores frases iniciais de romances da American Book Review, na posição 38.

Billy Pilgrim, como já se diz logo no início do livro - digo o livro dentro do livro -, está solto no tempo, e por isso não faz sentido citá-lo no passado: ele é um soldado americano na Segunda Guerra Mundial, é um oftalmologista, é casado com a filha de um homem rico, é uma criança lutando para não se afogar numa piscina, é um homem de meia-idade prestes a sofrer um acidente de avião, é tratado como um animal num zoológico em outra dimensão... O tempo é presente em qualquer momento, foi o que Billy Pilgrim aprendeu com os tralfamadorianos, o segredo é focar-se nos momentos bons. Justamente por compreender isso, os tralfamadorianos não temem a morte nem o sofrimento, pois sabem que ninguém morre, apenas está morto em determinado momento, e em outros está vivo - e Billy é um dos poucos humanos que compreendem isso também. Apesar de todas essas discussões sobre viagem no tempo e alienígenas, e do livro ter sido indicado para o Hugo e o Nebula, entendo como um erro de interpretação tratá-lo como ficção científica, por motivos que aqui não posso explicar, sob o risco de interferir no prazer da leitura de quem ainda não leu o livro.

O tema mais aparente de Matadouro 5 é a repulsa pela guerra e pela violência, algo habitual na carreira de Kurt Vonnegut, tanto que o autor considera o ponto mais importante do livro o momento do fuzilamento de um personagem secundário por conta de uma chaleira, após o bombardeio de Dresden. O subtítulo do livro, A Cruzada das Crianças, tem uma conotação profundamente contrária à guerra em seu contexto. No entanto, outros temas talvez tenham a mesma importância ou até mais. A questão do sofrimento, discutida na forma de destino x liberdade é para mim o ponto chave do livro. A viagem no tempo, não de forma convencional da ficção científica (com máquinas), mas sim estar solto no tempo, como Billy Pilgrim, é a chave para o escapismo do protagonista. Os tralfamadorianos estranham o fato de a Terra ser o único planeta conhecido por eles no qual seus habitantes acreditam que dependem de sua vontade para determinar os acontecimentos. Eles inclusive sabem como o universo deixa de existir, e mesmo que para um terráqueo eles possam evitar tal acontecimento, isso simplesmente não faz sentido para eles.

O estilo de narrativa de Kurt Vonnegut, impecável aqui, talvez seja o que me faz gostar cada vez mais desse autor. Frases curtas, sem nenhum tipo de firula, dizendo de maneira certeira o que importa para a história,  algo que só os grandes escritores conseguem desenvolver; algo que, dizem, Hemingway teve que aprender com Gertrude Stein para se tornar o grande escritor que foi. O humor, geralmente negro e ácido, também está presente em Matadouro 5, mas aqui Vonnegut utiliza três palavrinhas que entraram para a história da literatura: So it goes (traduzido na edição brasileira como "coisas da vida", o que não chega a ser tosco, mas eu não gostei). Essa pequena frase se repete 106 vezes ao longo do livro, aparecendo sempre após o relato de algo trágico. Sua interpretação é ambígua: pode remeter a este humor negro característico do autor, como pode também ser um mecanismo para a recusa ao sofrimento tratada ao longo do livro - transformar grandes perdas individuais em algo ínfimo para a história da humanidade (ou, no caso, do universo).

Os personagens de Vonnegut são também um diferencial em sua obra, tanto que diversos dos que aparecem em Matadouro 5 são utilizados em outros livros. Alguns, aqui meros coadjuvantes, são protagonistas em outro momento, como Howard W. Campbell Jr, o narrador de O Espião Americano (Mother Night), ou Kilgore Trout, o escritor de ficção científica considerado o alter-ego de Kurt Vonnegut. Me parece que os coadjuvantes valorizam ainda mais o trabalho do autor, vista sua incrível capacidade de criar características de personagens em poucas linhas, como eu já havia escrito na resenha de Deadeye Dick. Pela quantidade de personagens importantes no universo vonnegutiano, acredito que Matadouro 5 seja o livro ideal para começar a explorar a obra desse autor.

Matadouro 5 é um livro estupendo, simples em suas palavras, pequeno, com parágrafos e trechos curtos, porém complexo em seus detalhes e desdobramentos, como estou me habituando aos livros de Kurt Vonnegut, esse autor que a cada dia se coloca entre meus favoritos. Já encontrei quase todos os seus livros, em inglês, em pdf, e agora o difícil é parar de lê-los para dar chance a outros autores.

Editora: L&PM
Páginas: 226
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

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Deadeye Dick - Kurt Vonnegut

Revolução no Futuro - Kurt Vonnegut

sábado, 17 de dezembro de 2011

Escritores em Ação - vários autores

Quem gosta de livros sabe que, após a leitura de alguns trabalhos de um autor querido (às vezes logo o primeiro já é suficiente), surge a necessidade de ultrapassar o limite da ficção criada naquelas páginas e conhecer os detalhes da realidade por trás daquilo, como histórias da vida do autor e o momento em que o livro foi escrito. Quando o vício vira obsessão, o que é comum também e até saudável entre os amantes das letras, a necessidade por informações cresce, e geralmente a mania não se limita a um autor. Para os que são fanáticos por um determinado autor, existem as biografias, não raramente maiores que os próprios trabalhos do autor - exceto para fãs de autores obscuros ou locais, sofredores em potencial. Mas há também publicações que abordam algum determinado estilo ou época literária, abarcando diversos autores.

Para os interessados em literatura do século XX como eu, ainda pode ser encontrado em sebos um livrinho publicado pela Paz e Terra na década de 80, chamado Escritores em Ação, que reúne entrevistas de 14 autores para uma revista francesa chamada Paris Review - a saber: François Mauriac, William Faulkner, Georges Simenon, Alberto Moravia, Trumam Capote, Françoise Sagan, Ezra Pound, T.S.Eliot, Henry Miller, Aldous Huxley, Ernest Hemimgway, Lawrence Durrel, Mary McCarthy e E.M.Foster. Essas entrevistas começaram a ser publicadas em 1953, no primeiro número da revista; alguns estavam ainda produzindo partes importantes de suas obras, outros já estavam no final de suas carreiras, como Huxley, que na época escrevia seu último livro.

Paris Review era uma revista de vanguarda, que rejeitava as convenções da época, e preferia publicar contos e poemas de novos autores do que críticas sobre clássicos da literatura. As entrevistas da Paris Review ficaram famosas por conta da qualidade de seu conteúdo - apesar da inexperiência no campo jornalístico, os entrevistadores realmente conheciam o trabalho de seus entrevistados, o que resultava em perguntas inteligentes e respostas variadas, dependendo do humor do escritor. Nessas entrevistas, mais do que conhecer detalhes sobre as ficções que tanto nos encantam, descobrimos o lado pessoal de nossos heróis literários, mesmo que as perguntas pessoais não tenham tanto espaço. A abordagem central das entrevistas é sempre o processo de criação dos livros, coisas como inspiração, horários de trabalho, origem dos nomes dos personagens, mas as respostas para esse tipo de questões revelam bastante sobre cada um dos escritores.

Apesar de alguns dos entrevistados não serem muito conhecidos aqui no Brasil, é curioso ler sobre todos eles e comparar seus métodos e suas personalidades, para chegar à conclusão que, definitivamente, não há método fixo para se escrever um livro. É certo que quatro fases da produção de um livro existem para todos: a experiência ou vivência do autor, a meditação sobre aquilo, o rascunho e a revisão. O que varia, e muito, é o tempo de cada uma dessas fases. Alguns autores ficam com determinada ideia durante anos em sua mente, e subitamente escrevem sobre aquilo um dia. Outros observam alguma cena e logo poem-se a escrever, mas podem demorar anos no desenvolvimento. Há também os que concluem rapidamente um texto, porém gastam muita energia em sua revisão, a ponto de o texto revisado não ter mais quase nenhuma relação com o original. 

Horários e locais de trabalho também variam bastante, bem como a produtividade de cada um. Georges Simenon, por exemplo, escrevia seus romances em poucos dias - e não por acaso produziu cerca de 500 livros em sua vida. Françoise Sagan era uma adolescente de 19 anos quando publicou seu primeiro romance; Henry Miller passou por muita coisa na vida até ter seu primeiro livro aceito por uma editora, quando já tinha mais de 40 anos. E quanto às personalidades do autores? Trumamn Capote só conseguia se concentrar para escrever deitado no sofá, fumando e bebendo café. Aldous Huxley foi um verdadeiro gentleman inglês com os jovens entrevistadores, enquanto Hemimgway não fazia nenhuma questão de esconder seu humor devastador com perguntas que julgava cretinas: "O fato de eu estar interrompendo um trabalho sério para responder a estas perguntas prova que sou tão estúpido que deveria ser seriamente castigado. Eu o serei. Não se preocupe." - respondeu o escritor mais machão da história ao ser perguntado se achava fácil "passar de um plano para outro, ou prossegue até terminar o que começa". 

Comprei esse livro há cerca de 10 anos, quando ainda não estava esgotado na editora, e na época só li os capítulos que me interessavam, sobre Miller, Huxley e Hemimgway, pegando o livro novamente para ler todas as entrevistas só depois desse tempo todo. É um livro fácil, pode ser lido aos poucos, e muito interessante para quem gosta dessa fase literária. Só não crie expectativas de descobrir como escrever um romance a partir dos métodos desses autores, definitivamente não vai dar certo.

Editora: Paz e Terra
Páginas: 339
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * *

sábado, 19 de novembro de 2011

O Idiota - Fiódor Dostoiévski

Verificando rapidamente os títulos apresentados aqui neste blog, percebe-se que há pouco, quase nada, de literatura produzida antes do século XX. Nunca escondi de ninguém que não é esse tipo de leitura que me interessa, mas sim a cultura do mundo contemporâneo, o modo de pensar surgido no século do jazz e do rock, do cinema, da comunicação instantânea, da produção em massa, da liberdade individual. Quando comecei a ser um leitor razoável, a ter um padrão mínimo de leitura, obviamente passei por diversos clássicos da literatura, alguns dos quais amo até hoje (A Odisseia, ou Germinal, por exemplo), mas muitos que, talvez num contexto diferente, teriam me afastado do caminho das letras, se eu não tivesse conhecido paralelamente alguns dos meus heróis literários. Meu interesse na cultura contemporânea e minhas experiências tediosas com os Stendhals da vida foram decisivos para o meu afastamento da literatura clássica e meu vício na literatura contemporânea, mas de qualquer forma, sempre tive uma grande curiosidade de conhecer alguns desses autores tratados como pais fundadores ou grandes mestres, e venho através dos anos prometendo a mim mesmo que vou encarar um desses caras qualquer dia desses, apesar da longa "lista de espera" dos livros que eu quero muito ler.

Por uma certa ironia, foi a própria cultura contemporânea que me fez "furar a fila" e pegar um livro clássico para ler: O Idiota, de Fiódor Dostoiévski. Explico: o livro, lido por Iggy Pop e David Bowie, serviu de inspiração para o nome de um dos melhores discos de todos os tempos, The Idiot (1977), pelo qual estive obcecado nos últimos meses, obsessão que me fez correr atrás de tudo a respeito dessa obra-prima, desde as histórias por trás das letras até o livro de Dostoiévski.

O Idiota conta a história do príncipe Míchkin, um epilético (como o autor) que volta para a Rússia após passar anos fazendo um tratamento para sua doença na Suíça. A partir daí, desenvolve-se uma trama na medida certa para o personagem dostoievskiano (sendo o protagonista talvez até um paradigma para esse padrão): o homem bom, honesto, cheio de boas intenções, que sofre todos os tipos de males na sociedade perversa justamente por causa de suas qualidades. Por sua bondade e generosidade, Míchkin é constantemente trapaceado, usado e até humilhado pelos que se aproveitam de sua posição, os desonestos, vis, sádicos, covardes, quase todos que o rodeiam.

Desde o início da leitura, pude experimentar essa que é dita a principal qualidade de Dostoiévski, a construção de personagens, habilidade na qual o russo foi mestre. Com o passar das páginas, aparecem outros trechos de extrema perícia, como a descrição de um ataque epilético de Míchkin, algo recorrente na vida do autor. Entretanto, por mais que tenha qualidades incontestáveis, O Idiota ainda é um livro do século XIX, e carrega consigo aquele ranço de rebuscamento que toda obra dessa época traz, algumas mais, outras menos. O ritmo do livro começa muito bem, mas com o passar dos capítulos, a trama começa a se arrastar, algo muito comum em livros naqueles tempos de prazos apertados e quantidades certas de escrita por conta de encomendas de jornais ou, como era o caso de Dostoiévski, pressões financeiras e de contratos editoriais.   Não há habilidade ou criatividade de escritor algum que me faça superar uma narrativa arrastada.

Fora o estilo, confesso que tenho muita dificuldade para assimilar as ideias defendidas por Dostoiévski em seus livros: nacionalismo russo nos moldes oitocentistas, que pregava uma Santa Rússia, herdeira do Império Bizantino por conta da Igreja Ortodoxa (portanto, herdeira do Império Romano, berço do cristianismo; a palavra czar ou tsar vem de César). Caberia à Rússia salvar a Europa, e toda a sociedade ocidental, de sua decadência espiritual durante o avanço do industrialismo e do materialismo. Dostoiévski era um defensor ferrenho da ordem e da monarquia russa, e se opunha ferozmente às ideias mais progressistas de sua época, como o liberalismo, o socialismo e o niilismo. Eu não sou tolo o suficiente para tentar ler um livro desse tipo de autor com os olhos do terceiro milênio, não é esse o caso, mas realmente não tenho muito interesse em digerir tais ideias em livros de narrativa cansativa ao longo de 600 páginas.

Definitivamente, não estou nem um pouco interessado nesse tipo de literatura clássica e não tenho necessidade de recorrer a esses cânones ocidentais para nada. Respeito Dostoiévski pelas qualidades que descrevi acima, assim como outros autores que já li dessa época, como Victor Hugo, mas realmente prometo a mim mesmo que não leio mais esse tipo de livro nos próximos anos, pelo menos (provável exceção para Júlio Verne, o avô da ficção científica). Talvez no futuro, quando eu estiver em outra sintonia, quem sabe, mas por enquanto uma garrafa de Hemingway, um prato de Vonnegut com Frank Herbert, e Borges para a sobremesa.


Editora: 34
Páginas: 688
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

Nota: A imagem acima corresponde à edição mais recente, a única até agora traduzida diretamente do russo - até então, todas as traduções eram feitas a partir de traduções francesas. Essa nova edição é muito bem falada, apesar de bem cara, mas talvez se eu tivesse lido ela, a leitura teria sido um pouco menos penosa para mim.

sábado, 12 de novembro de 2011

Psychic Confusion: The Sonic Youth Story - Stevie Chick

Quando fiquei sabendo que o Sonic Youth vinha tocar no SWU e vi que no mesmo dia tocariam também uma porrada de bandas que eu curti muito na década de 90, não tive dúvidas: havia chegado a hora de voltar a curtir um grande festival de música, coisa que, desanimado com a decadência do rock na última década, eu não fazia há muitos anos. Apesar de estar longe de ser a principal atração num dia em que Faith no More, Alice in Chains e Stone Temple Pilots vão tocar, o Sonic Youth é o principal motivo para eu ir ao SWU, e como aquecimento, comecei a ler Psychic Confusion: The Sonic Youth Story, um livro que comprei há alguns meses, que conta a história dessa que foi uma das bandas mais importantes da minha vida. 

Psychic Confusion, de Stevie Chick, é relativamente recente (só não inclui o último disco da banda, de 2009), e tem uma estrutura convencional, escrito em ordem cronológica iniciando com as origens dos membros da banda e passando na ordem da produção de cada disco, o que pode não combinar muito com uma banda que de convencional nunca teve nada, mas o importante é que o autor cumpre seu papel, abrindo espaço também para histórias paralelas de diversas outras bandas que cruzaram o caminho dos sonics, como Dinosaur Jr. e Nirvana. É um livro normal sobre uma banda de rock, sem firulas e bem escrito, de caráter informativo, recheado com belas fotos, de interesse apenas para fãs ou admiradores de histórias da cultura ocidental contemporânea, que só conseguirão encontrá-lo em sites de fora ou livrarias no exterior.  

Faltando poucos dias para o festival, lendo o livro e esperando ansiosamente rever os sonics depois de 11 anos (no finado Free Jazz Festival), fui surpreendido por uma notícia no mínimo surpreendente: Kim Gordon e Thruston Moore, o casal fundador da banda, anunciou sua separação após 27 anos de união, lançando especulações sobre o futuro da banda. Como os sonics já vinham fazendo poucos shows no últimos anos e a última data de sua agenda é justamente a apresentação no SWU, daqui a dois dias estarei no que pode ser o show derradeiro do Sonic Youth.

Editora: Omnibus Press
Páginas: 282
Disponibilidade: importado
Avaliação: * * * *

Sobre o show: A apresentação do Sonic Youth foi sensacional, um dos melhores shows que já fui. Confira aqui. Veja também outro show excelente de um japonês chamado Miyavi, no palco secundário.

p.s: Este foi realmente o último show do Sonic Youth! Se essa é a decisão deles, fico satisfeito de que essa banda tão amada por mim tenha encerrado sua carreira de forma tão digna, e  feliz por fazer parte de seu último capítulo. Continuo acompanhando suas carreiras solos que, se não são e nunca mais serão os sonics, mantém a dignidade com canções sinceras e o estilo Sonic Youth de ser.

domingo, 30 de outubro de 2011

A Náusea - Jean-Paul Sartre

Recentemente escrevi uma resenha sobre um livro de Sartre chamado O Existencialismo é um Humanismo, um tipo de cartilha didática na qual o filósofo explica os principais pontos de suas difíceis ideias para o público leigo. Após essa preparação, me senti um pouco mais seguro para encarar um de seus principais trabalhos que eu ainda não havia lido, A Náusea, escrito em 1938, antes do livro que apresentou ao mundo seu pensamento existencialista, O Ser e o Nada. 

Um romance ou um livro de filosofia? Ambos. Em A Náusea, Sartre não traça um roteiro muito elaborado para narrar uma história, mas utiliza um personagem para, através de um diário, apresentar as ideias existencialistas de forma literária. Antoine Roquentin encontra-se em Bouville, uma cidade portuária fictícia na França, onde faz uma pesquisa na biblioteca local acerca da vida do Marquês de Rollebon, personagem que vivera no século XVIII. Durante esse tempo, Antoine escreve em seu diário suas impressões a respeito do mundo, melhor dizendo, da existência, e junto a esses pensamentos, a Náusea, um sentimento que, com outros nomes, é tratado em trabalhos existencialistas posteriores - um sentimento de angústia ou ansiedade em relação à liberdade a que o ser humano é condenado.

A Náusea é um livro tenso, perturbador. Pelo menos foi assim que me senti ao ler esse livro: angustiado, da mesma forma que o protagonista. Antoine Roquentin procura entender o porquê daquele sentimento que permeia seu cotidiano, seja em relação ao amor, sexo, música ou à simples observação de objetos inanimados, e a escrita de Sartre é tão engenhosa que o sentimento de perturbação é capaz de passar para o leitor. O pessimismo de Roquentin está presente em quase todas as páginas, tendo como contraponto o personagem chamado Autodidata, um homem que acredita no progresso da humanidade e se dedica a apreender todo o conhecimento através da leitura de livros sobre os mais variados assuntos na biblioteca local, em ordem alfabética por autor - um humanista, contrastando com o existencialista. 

Considero A Náusea um livro muito bem escrito, e muito interessante no sentido filosófico, mas admito que essa leitura me deixou para baixo, e por isso até demorei mais do que o normal, não conseguia ler por muito tempo, e até pensei em largar no meio. É um livro que eu tinha que ler, conferir esse ícone da literatura do século XX que tanto aprecio, entrar de outra forma em contato com o intrigante existencialismo... mas que doeu, doeu.

Editora: Nova Fronteira
Páginas: 226
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Bowie in Berlin. A New Career in a New Town - Thomas Jerome Seabrook

Na segunda metade da década de 1970, David Bowie passava por um momento crucial em sua vida: sua carreira estava no auge, produzindo discos anualmente desde 1969, muitos deles com vendas astronômicas, e suas turnês levavam milhões de fãs aos seus shows. Por outro lado, sua vida pessoal passava por turbulências graves - vícios, anorexia, divórcio, paranoia e obsessão por ocultismo e símbolos nazistas - que quase lhe custaram a vida.Justificar
Era 1975 quando Bowie decidiu seriamente que deveria mudar radicalmente de vida, e largou Los Angeles para viver na Europa, até se estabelecer em Berlim, vivendo anonimamente e longe de excessos (para os padrões de um rock star, já que Berlim tinha também uma agitada vida noturna). O resultado foi uma período de alguns anos de intensa atividade artística e cinco discos antológicos - Low, "Heroes" e Lodger, a chamada "trilogia de Berlim", de Bowie e sua parceria com Brian Eno, e The Idiot e Lust for Life, de Iggy Pop, porém com uma intensa participação sua. Bowie in Berlin - A New Career in a New Town, de Thomas Jerome Seabrook, conta a história dessa que é para muitos (incluindo eu mesmo) a melhor fase de David Bowie.

O livro começa com os antecedentes dos anos de Berlim, apresentando um David Bowie que, por um lado, era um dos artistas mais populares da época, e por outro estava no fundo do poço em sua vida pessoal, e com sérios riscos à sua saúde. Bowie vivia em Los Angeles, havia acabado de lançar uma sequência de discos excepcionais, em termos musicais ou sucessos de vendas - começando com Hunky Dory, de 1971, até Station to Station, de 1976. Seus trabalhos eram frequentemente temáticos, com a interpretação de personagens que às vezes chegavam a se misturar com sua própria personalidade, como o alienígena Ziggy Stardust. Seu último personagem dessa época chamava-se "Thin White Duke", um aristocrata demente com inclinações fascistas, que começou a interferir na saúde mental do cantor numa fase em que seus alimentos eram somente cocaína, pimenta e leite.

David Bowie tinha tudo para continuar nese caminho em sua vida profissional, lançando mais um disco com sucessos comerciais e turnês enormes (era tudo o que sua gravadora queria também), mas resolveu dar uma guinada. Sua vida pessoal conturbada pode ter influenciado bastante essa escolha, mas o lado artístico não pode deixar de ser considerado: Bowie é um músico notório pela sua capacidade de enxergar adiante de seu tempo, de ser pioneiro. O que ocorre então é que ele larga tudo nos Estados Unidose vai se refugiar anonimamente na Europa, onde entra em contato com bandas inovadoras como o Kraftwerk e inicia uma parceria com Brian Eno, ex-Roxy Music, que já fazia discos bem diferentes.

A segunda parte do livro de T.J. Seabrook é dividida em quatro capítulos, efetivamente o período em que Bowie viveu em Berlim e criou os melhores discos de sua carreira e de seu amigo Iggy Pop, que tinha saído de sua fantástica banda, The Stooges, e estava em total ostracismo. The Idiot, o primeiro disco dessa fase, teve sua parte musical quase que completamente criada por Bowie e companhia, tendo Iggy Pop criado mais a parte das letras, e serviu como um "piloto" para a sonoridade dos discos seguintes de Bowie. O capítulo seguinte aborda a criação de Low, e os posteriores de Lust For Life e "Heroes". Em cada capítulo, inicialmente é contada toda a história dos músicos à época dos discos, o processo de criação e produção, e ao final há a ficha de cada música, com comentários.

Bowie in Berlin é encerrado com capítulos sobre a produção de Lodger, o último disco dessa fase (que por não ser tão extraordinário quanto os quatro anteriores e ter sido pouco influenciado pela vida em Berlim é tratado à parte), a retomada da carreira de superstar de David Bowie, o fim da parceria dele com Brian Eno e o legado que essa fase de sua carreira deixou para o cenário musical da década de 1980.

Encontrar esse livro até então desconhecido para mim foi uma coincidência e tanto, já que há alguns meses estou obcecado por esses discos e não paro de escutá-los. Sua leitura foi bastante agradável e enriquecedora para melhor compreensão desses trabalhos fundamentais, que influenciaram uma porção de gente, de Joy Division a U2, moldando o clima dark pós-punk que teriam os anos 80. Bowie in Berlin é uma leitura essencial para todo fã de David Bowie, e para quem não conhece os tais discos da fase berlinense do cantor, recomendo fortemente que não perca a oportunidade de entrar em contato com essas obras-primas da música, principalmente The Idiot e Low.

Editora: Jawbone
Páginas: 270
Disponibilidade: importado
Avaliação: * * * *

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O Triste Fim de Policarpo Quaresma em quadrinhos - Lima Barreto e outros

Voltando a falar da coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos (depois de um ano), dessa vez li a adaptação de Triste fim de Policarpo Quaresma, esse livro maravilhoso, e por isso mesmo já uma tarefa e tanto fazer uma adaptação. Nesse caso, até que a adaptação de Ronaldo Antonelli se saiu um pouco melhor do que em O Cortiço, mas continuo achando muito difícil essa tarefa de adaptar livros inteiros, pelo tamanho das obras originais comparado com o número de páginas propostas para os quadrinhos - contos são bem mais propícios, e os resultados geralmente são melhores. Os desenhos de Francisco Vilachã, como já havia dito em outra resenha, não são grande coisa, e oscilam de suficientes a fracos em cada trabalho seu na série - no presente caso, estão fracos, sem graça, atrapalhados ainda mais pelo trabalho do colorista Fernando Rodrigues, deixando os personagens quase sempre monocromáticos.

Enfim, essa adaptação de Triste fim de Policarpo Quaresma é razoável, mas foi boa para relembrar algumas passagens de um dos meus livros prediletos. Só recomendo para quem já leu o livro, gostou e, como eu, quer ter contato com a história novamente mas não tem tempo para ler o livro inteiro.

Editora: Escala
Páginas: 64
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Fahrenheit 451 - Ray Bradbury

Há cerca de um ano escrevi uma resenha sobre o livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, na qual tive que citar as outras duas grandes histórias de distopias: 1984, de George Orwell, e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, que acabo de ler. Todas elas foram escritas em meados do século XX (décadas de 30, 40 e 50), época que, devido à grande quantidade de mudanças espantosas e catástrofes inimagináveis, impelia pessoas perspicazes e de imaginação poderosa a interpretar seu presente na forma de distopias, ficções passadas em futuros sombrios.

Cada uma dessas obras se tornou famosa por, além da qualidade de escrita dos autores, tratar de temas inquietantes em suas épocas. Admirável Mundo Novo, o primeiro a ser escrito, numa época em que os problemas políticos ainda não eram tão agudos (ou pelo menos ainda não haviam atingido seu apogeu com a brutalidade dos Estados totalitários durante a II Guerra Mundial e a Guerra Fria), é um alerta de Huxley aos riscos de um desenvolvimento tecnológico acelerado desprovido de reflexão ética. O segundo a ser escrito, 1984, aborda um desdobramento bastante pessimista do comunismo (regime inicialmente defendido por Orwell, que como muitos outros se desencantou após as revelações das barbáries cometidas no governo de Stalin); já Fahrenheit 451, escrito praticamente na mesma época (cerca de 5 anos depois), tem o mesmo sentido de 1984, imaginando, porém, o que poderia ocorrer numa sociedade supostamente democrática como desdobramento da Guerra Fria.

Fahrenheit 451 se passa num futuro indeterminado, nos Estados Unidos, quando o governo adotou medidas extremas para manter o controle social: controlar o pensamento e as opiniões do povo de forma radical, através da queima de qualquer tipo de livro, e direcionar a educação de acordo com seus interesses, evitando assim contradições de pensamento. Dessa forma, além das pessoas estarem de acordo com a ideologia do governo, jamais teriam motivos para entrarem em conflito entre si por diferenças de pensamento. O título do livro faz alusão à temperatura que o papel entra em combustão.

Para que a proibição dos livros tenha efeito, o governo cria um órgão especializado em vigiar, julgar e punir as pessoas que insistem em manter livros escondidos, como uma polícia secreta: os bombeiros, que perderam a função de combater incêndios (já que a tecnologia impede que as casas peguem fogo de forma natural) e passaram a promovê-los, utilizando uma espécie de fogo artificial que consegue, além de queimar os livros, destruir as casas dos culpados. A população, aterrorizada e ao mesmo tempo impossibilitada de refletir sobre a questão, abriga-se em prazeres superficiais promovidos pela tecnologia (algo semelhante à realidade virtual, imaginada na década de 50 por Bradbury como paredes que serviam como familiares às pessoas, uma alusão crítica à televisão).

Como sou sempre a favor do prazer que a surpresa traz à leitura, me abstenho de escrever mais qualquer comentário sobre o enredo do livro e seus personagens, pois o que citei acima já é suficiente para compreender o que é tratado em suas páginas - antes de ler, eu sabia muito menos detalhes, e mesmo assim já era capaz de instigar minha curiosidade por esse clássico da ficção científica. O que posso dizer é que Fahrenheit 451 foi uma leitura bastante especial para mim, porque além de ter uma escrita bonita e agradável, e reflexões profundas sobre, por exemplo, a memória, o conhecimento, o amor e a morte, aborda um tema muito chocante para nós que amamos a leitura - e talvez até o livro como objeto em si. Numa inevitável comparação, gostei mais desse livro do que Admirável Mundo Novo; 1984 só vi o filme, o livro continua na fila, por isso não posso comparar ainda.

Editora: Globo
Páginas: 215
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

domingo, 7 de agosto de 2011

Heroes of Blues, Jazz & Country - Robert Crumb

Quem conhece Robert Crumb sabe que, apesar de sua genialidade nos quadrinhos, seu amor verdadeiro sempre foi pela música. Apesar de seu nome estar frequentemente vinculado ao movimento de contra-cultura do final da década de 1960, Crumb nunca negou que não tinha nenhum interesse no rock daquela época, e que sua música vinha de décadas antes, a música que ele escutava quando era criança, em discos das décadas de 1920-30.

Em uma singela homenagem aos seus ídolos, Crumb produziu na década de 1980 uma série de cards com desenhos e um parágrafo de breve biografia dos músicos que produziram a música da sua vida, e agora uma editora americana resolveu compilar todos eles num belo livro chamado Heroes of Blues, Jazz & Country.

A introdução do livro é de Terry Zwigoff, amigo de Crumb, companheiro de banda e diretor do famoso documentário de 1994 sobre o desenhista. Zwigoff nos conta como começou o projeto: Crumb, notório colecionador de discos antigos, queria muito adquirir algumas raridades de um amigo, e este propôs uma troca dos discos por um desenho original. Crumb aceitou, e anos depois, Zwigoff utilizou a mesma estratégia para trocar um disco da coleção dele com Crumb. A partir de então, Crumb passou a produzir desenhos de seus artistas prediletos, baseado em fotos antigas, caso elas existissem - lembre-se que a maioria desses artistas sempre foi extremamente obscura, e sobre alguns deles não se sabe nem ao menos sua data de nascimento.

Na época, os cards foram lançados em pacotes distintos para cada estilo: Heroes of the Blues, Early Jazz Greats e Pioneers of Country Music. Um livro muito bem feito, e com desenhos de Robert Crumb, é um bom motivo para eu querer tê-lo na minha estante, mas o fator determinante para mim foi a inclusão de um cd com 21 músicas de alguns desses artistas. Esse cd me apareceu como um farol para descobrir músicos seminais nesses estilos pouco explorados por mim ainda.

O cd começa com os artistas do blues. Esqueça Robert Johnson, e nem pense em B.B.King ou Eric Clapton. Robert Crumb gosta mesmo é daqueles músicos de rua, que por uma graça do acaso gravaram algumas canções e deixaram seu legado para os garimpeiros culturais das décadas seguintes. As músicas dessas parte são muito agradáveis, simples, e quase completamente desconhecidas por quase todo mundo. Eu só conhecia um artista retratado por Crumb antes de ler o livro - Skip James, e somente porque há uma canção sua maravilhosa no filme Ghost World (dirigido não por acaso por Terry Zwigoff). Outros dois nomes eu já havia ouvido falar, mas não conheço muito de sua obra: Louis Armstrong, o músico de jazz mais famoso de todos os tempos, e Duke Ellington. As canções de blues no cd são bem leves, a exceção fica justamente por conta de Skip James, o mais melancólico de todos os sete artistas apresentados (e talvez por isso o que eu mais gosto).

A segunda parte do cd fica com o country, um estilo um pouco mais familiar para mim. Não que eu conheça qualquer daqueles artistas, mas o antigo country americano tem semelhanças com o folk britânico/irlandês, um estilo que fiquei viciado durante alguns meses há uns dois ou três anos, e que me fez ficar familiarizado com essas músicas que utilizam um dos instrumentos mais bonitos para mim, o banjo.

O cd termina com os músicos de jazz antigos, um estilo que ninguém sabe dizer o nome de qualquer representante, mas todo mundo já ouviu e continua ouvindo em desenhos animados e filmes antigos. É a música mais famosa dos Estados Unidos, mas em contrapartida, uma das mais anônimas.

Essa união de arte gráfica e música produziu uma obra muito bacana, eu ouço a música, leio no livro sobre aquele artista e viajo... Esse livro é importado, e pelo conteúdo muito específico, não tenho a impressão que algum dia venha a ser lançada uma edição brasileira - mas se tratando do crédito que Robert Crumb tem aqui no Brasil, não acho que isso seja impossível, já que há um album lançado pela Conrad chamado Blues, só com histórias sobre o estilo predileto de Crumb.

Editora: Abrams Comicarts
Páginas: 240
Disponibilidade: importado
Avaliação: * * * *

Hoje, com a internet, é muito mais fácil conhecer qualquer tipo de artista do que na época que Crumb produziu os cards. Caso você se interesse em conhecer alguns destes velhos e bons músicos, e tem dificuldade para conseguir importar o livro, aí vai a lista de artistas compilados no cd, para serem caçados na internet (boa sorte!):

Blues - Memphis Jug Band, Blind Willie McTell, Cannon's Jug Stompers, Skip James, Jaybird Coleman, Charley Patton, Frank Stokes.

Country - "Dock" Boggs, Sherlor Family, Hayes Sheperd, Crockett's Kentucky Mountaineers, Burnett & Rutherford, East Texas Serenades, Weems String Band.

Jazz - Bennie Moten's Kansas City Orchestra, "King" Oliver's Creole Jazz Band, Parhman-Pickett Apollo Syncopators, Frankie Franko & His Louisianians, Clarence Williams' Blue Five, "Jelly Roll" Morton's Red Hot Peppers, Jimmy Noone.

E mais: os desenhos dos 36 músicos de blues presentes no livro podem ser encontrados aqui (infelizmente sem os textos). Se alguém achar os desenhos dos outros músicos, me informe o link que eu coloco no blog.

domingo, 19 de junho de 2011

O Existencialismo é um Humanismo - Jean-Paul Sartre

Em meados do século XX, a corrente da filosofia denominada existencialismo estava em alta, seguida fielmente por alguns e combatida ferozmente por outros. O termo existencialista era utilizado para se referir a variadas situações, algumas sem relação nenhuma com a ideia original. Era sofisticado incluir o termo em conversas com os amigos, mesmo que nenhum dos interlocutores compreendesse muito bem o assunto.

Apesar de as ideias existencialistas terem se originado no século XIX, com um filósofo dinamarquês chamado Soren Kierkegaard, foi Jean-Paul Sartre quem transformou-as em doutrina, inclusive criando o termo, que foi rejeitado por filósofos de ideias semelhantes, como Martin Heidegger.

Até a década de 1940, o existencialismo podia ser estudado através de livros difícies para o grande público, desses que até o título já causa estranheza, tipo Ser e Tempo, ou O Ser e o Nada (títulos que, diga-se de passagem, também contribuem bastante para piadinhas em relação à filosofia). Foi então que, para esclarecer questões sobre o existencialismo e rebater algumas críticas que Sartre proferiu uma palestra chamada O existencialismo é um humanismo, tornando-se posteriormente um livro.

Este pequeno livro é um meio de ter uma breve introdução ao existencialismo através do próprio autor, algo raro no meio da filosofia, no qual a maioria dos autores recusa-se a simplificar seu pensamento a esse ponto, seja por receio de banalizar e deturpar suas ideias ou por pura soberba intelectual mesmo (Sartre também se encaixa num desses casos, já que esse livro não foi aprovado por ele). Numa primeira parte, Sartre expõe os princípios do existencialismo rebatendo críticas veiculadas por diversos setores; a parte final é um debate de Sartre com a plateia, no qual o filósofo responde a algumas contestações.

Mas afinal, o que é o existencialismo? Bem, não é meu propósito aqui explicar correntes filosóficas (até porque eu não teria condições para fazer isso decentemente), e sim sugerir boas leituras. Posso dizer simplesmente que o existencialismo é um conjunto de ideias muito fascinante, que passa longe da abstração acadêmica e se encaixa bem no mundo em que vivemos, que trata de liberdade e responsabilidade do ser humano, e por isso fez a minha cabeça desde o início da minha vida adulta - foi interessante reler este livro e ver como essas ideias foram importantes na minha formação, e o quanto delas ainda persiste em mim até hoje, mesmo sem que eu possa dizer que algum dia pude me classificar como um existencialista nato. O existencialismo é um humanismo é um ótimo meio de ter uma visão inicial sobre o assunto e se apaixonar por essa corrente filosófica que tem uma vantagem para quem gosta de filosofia mas não pretende devorar livros obscuros de filósofos difíceis: o existencialismo foi tratado em diversas obras literárias de leitura agradável, por autores como Albert Camus e o próprio Sartre - e foi por isso que agora, depois de anos, li novamente esse livro: para relembrar os conceitos e entender melhor um livro de Sartre que encontrei numa feirinha e pretendo ler em breve, chamado A Náusea.

Editora: Vozes (o texto também pode ser encontrado na coleção Pensadores, da editora Abril, fácil de achar em sebos)
Páginas: 84
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

Livro em PDF

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Mundo Fantasma - Daniel Clowes

Se você não é nerd, não tem obrigação de saber que Mundo Fantasma (Ghost World) é a principal obra de Daniel Clowes, um dos maiores nomes dos quadrinhos alternativos. O que eu e muitos outros semelhantes não entendíamos era por que um trabalho fundamental como esse, lançado nos Estados Unidos em 1997, teve que esperar até 2011 para ser editado aqui no Brasil, já que coisas menos importantes de Clowes têm edições nacionais há bastante tempo, mas agora que finalmente podemos comprar Mundo Fantasma em qualquer livraria, ganhamos também uma explicação convincente: os direitos estavam reservados a uma editora que faliu antes que pudesse publicar o álbum, até que a editora Gal resolveu a situação e conseguiu fechar o negócio, que acredito que será muito lucrativo, mas mesmo que não seja, pelo menos terá a honra de publicar essa maravilha da nona arte.

Mundo Fantasma mostra a vida de duas amigas, Enid e Becky, jovens entediadas e inadaptadas presas na sociedade americana das décadas de 80-90. A mediocridade de seu entorno e a ação dos hormônios próprios da idade as levam a buscar válvulas de escape em trotes, sexo, consumo de artigos peculiares, fofocas e brincadeiras de mau gosto com estranhos. Apesar de o álbum ser composto por histórias curtas (originalmente publicadas na revista Eightball, no final da década de 80), pode-se encontrar um sentido na sequência delas: o difícil processo de superação da adolescência e a entrada na vida adulta.

Os desenhos de Daniel Clowes são perfeitos para o que o artista procura passar: as representações dos personagens variam de monótonas a ridículas, e por mais simples que sejam, seus traços são apaixonantes. Os cenários retratados me parecem aquilo que tenho em mente sobre o cotidiano norte-americano, um ambiente aparentemente equilibrado, eficiente, mas em suas entrelinhas cheio de contradições e decadência. Para mim, Mundo Fantasma compõe, na esfera dos quadrinhos, o que os filmes de Kevin Smith ou as músicas das bandas grunge representaram na década de 90.

Em 2001 foi lançado um filme baseado nos quadrinhos, com muitas passagens idênticas, mas com roteiro bastante diferente da obra original, porém nem por isso deixa de ser um filme excelente. Dirigido por Terry Zwigoff (o mesmo do filme sobre Robert Crumb), com Tora Birch e Scarlett Johansson novinhas e Steve Buscemi.

Eu já tenho Mundo Fantasma escaneado há muitos anos, ainda não tive contato com essa nova edição e, portanto, tudo que posso escrever é sobre a obra em si, mas pelo que li em resenhas na internet, parece ser bem feitinha, com extras interessantes. Contudo, independente da edição ser de qualidade ou não, o que importa nesse caso é o conteúdo, e seu lançamento é uma oportunidade para quem não conhece. É uma obra de quadrinho maravilhosa, um dos melhores álbuns para mim, está aí minha dica.

Editora: Gal
Páginas: 84
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

terça-feira, 7 de junho de 2011

Revista Samba - vários autores


No ano passado, na postagem sobre a Rio Comicon, prometi que escreveria sobre uma publicação alternativa que chamou minha atenção, a revista Samba. Como sempre cumpro minhas promessas, mesmo que quase sempre com bastante atraso, aí está.

Como já escrevi sobre a dita convenção, limito-me a iniciar meu relato da parte em que eu estava tentando me locomover com minha irmã no abarrotado salão que abrigou o evento, observando uma série de fanzines toscos em mesinhas vazias que davam pena, até ficar impedido de andar entre a fila de gente que esperava um autógrafo de Milo Manara e uma muvuca que se acotovelava para alcançar uma mesa cheia de revistas, de onde alguém gritava "Samba 2! Samba 2!" Na hora pensei: "Que porra é essa de Samba 2 que esse cara não para de gritar?", mas confesso que o que despertou meu interesse foi algo parecido com o que acontece com uma mulher do tipo consumista quando vê um monte de outras semelhantes amontoadas em volta de um camelô na rua - o melhor letreiro para um vendedor, que significa "tem coisa boa e barata aqui".

Quando consegui chegar ao "balcão", peguei um exemplar aberto da tal Samba 2, e de cara senti a diferença entre essa publicação e os inúmeros fanzines xerocados em folha A4 dobrada que proliferam nesse tipo de evento. Uma revista em formato 18x26, com uma bela pintura na capa de papel de boa qualidade, daqueles que agradam ao tato. No miolo, diferentes estilos de desenhos, algumas histórias coloridas, do minimalismo quase idiota a traços mais sombrios, séries de pinturas sem textos a textos quase sem desenhos, mas o grande diferencial era uma historinha em 3D e os óculos que acompanham a revista. Levei pra casa, e com mais tempo e tranquilidade para apreciar melhor o trabalho, pude comprovar a qualidade, tanto do acabamento quanto da criação artística da maioria dos autores dessa obra coletiva. Histórias curtas, a maioria levando para o lado do humor, algumas melancólicas e o restante simplesmente nonsense.

Fico realmente feliz quando vejo que artistas independentes - seja de quadrinhos, música ou qualquer outro ramo artístico - conseguem criar e veicular trabalhos dessa categoria, e entrei no blog da revista para comprar o primeiro volume, lançado em 2008. O número de páginas é menor, mas o formato e o tipo de conteúdo são os mesmos, sendo que alguns personagens aparecem em ambos os volumes, porém sem histórias seriadas. Este primeiro volume ganhou um prêmio de melhor revista na Feira de Quadrinhos do Piauí, em 2009, e talvez esse reconhecimento tenha estimulado a continuidade do trabalho. Espero que venha a ser lançado logo o próximo volume e que essa moçada esperta de Brasília encabeçada por Gabriel Góes, Gabrieal Mesquita e Lucas Gehre sirva de exemplo e estímulo para o restante dos quadrinistas independentes do Brasil.

Editora: independente
Páginas: 64 e 136
Disponibilidade: blog da revista ou eventos de quadrinhos.
Avaliação: * * * * *

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Doutor Jivago - Boris Pasternak


Doutor Jivago é um livro ambientado na Revolução Russa, que deu origem a um filme famoso da década de 60, isso era tudo o que eu sabia quando peguei-o para ler. Ficção histórica, bacana. Após ler mais ou menos até a metade, descobri outras duas coisas a respeito do livro de Boris Pasternak: tem uma trama interessante, com personagens bem elaborados, mas é um dos livros mais chatos da história da literatura!

A história de Doutor Jivago começa na convulsiva Rússia da virada do século XX, e a vida pessoal do protagonista contrasta intencionalmente com o pano de fundo histórico das lutas políticas que desembocaram na revolução dos bolcheviques: a trajetória do médico Iuri Andreievitch Jivago representa a individualidade sufocada pelo coletivismo extremo e forçado dos revolucionários marxistas, e além disso, o livro abre espaço para a discussão sobre a distorção dos ideais revolucionários através do processo histórico.

Aí entra a diferença entre criar grandes histórias e ter capacidade para desenvolvê-las. A escrita de Boris Pasternak é barroca até o tutano, repleta de figuras de linguagem pedantes, produzindo uma leitura cansativa, um desafio até para os maiores maratonistas literários - intercalando esta com diversas outras leituras, demorei quase três meses para sequer chegar à metade dessa grande epopeia eslava, mas então desisti no meio do caminho, abandonei mesmo, não tive forças para tamanha provação. Para se ter uma ideia do que estou falando, um dos temas mais destacados em qualquer resumo rápido que se pegue sobre Doutor Jivago é o romance entre o protagonista e a personagem Lara, mas até onde li, nem sinal de que isso estava para acontecer... aliás, a impressão é de que nada acontece nesse livro! Talvez tenha sido uma estratégia do autor para remeter à solidão de Jivago, ao mesmo tempo que à imensidão da natureza russa, aquela paisagem monótona, a tundra, as coníferas, a Sibéria, o Círculo Polar Ártico, gelo, neve...

Ainda assim, Doutor Jivago foi considerado digno de um Prêmio Nobel de Literatura em 1958, mas expliquemos: o livro foi censurado na União Soviética, chegou clandestinamente ao ocidente, denunciava os erros do socialismo soviético, o autor ainda vivia lá cercado de agentes da KGB, e era época de Guerra Fria e tudo mais, entenderam, né? Por mais que possam defender a qualidade desse livro e dizer (corretamente) que eu não entendo patavina de técnicas literárias para poder criticar assim, continuo achando que não tem desculpa: o livro foi escrito e publicado na época mais fértil da literatura mundial, de gente como Kafka, Fitzgerald e Borges, não havia espaço para uma escrita anacrônica dessa. Que os acadêmicos julguem os méritos literários dos autores através do tempo, para mim Pasternak já está no grupo encabeçado por Stendhal: literatura clássica chata que ninguém aguenta, mas ai de quem falar mal!

Mesmo com todos os problemas, a história por trás da enrolação de Doutor Jivago ainda me parece interessante, e eu poderia simplesmente ler qualquer resumo na internet para saber como termina, mas farei de outra forma: vou procurar o filme, que pode até ser ruim como o livro (e provavelmente é, já que ganhou cinco estatuetas do Oscar), porém apresenta uma música muito bonita e belíssimas atrizes (tanto na versão original, de 3 horas de duração, como na série de tv de 2002, com 6 horas).

Editora: Best Seller
Páginas: 756 (com sensação térmica de 3756)
Disponibilidade: normal
Avaliação: * *

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Crazy Cock - Henry Miller



Paris, 1934. O escritor americano Henry Miller publica seu primeiro livro, Trópico de Câncer, alcançando imediato reconhecimento e abrindo as portas de sua carreira. A partir de então, Miller passa a se dedicar exclusivamente à literatura, ganhando a vida como sempre desejou, até morrer confortavelmente no sul da Califórnia, aos 88 anos.

A chamada acima pode sintetizar os sonhos de quase todas as pessoas que almejam o ofício de escritor, e parece que Henry Miller foi agraciado pelo destino com as coisas tendo saído tão perfeitas - sucesso logo no primeiro romance, na Paris da década de 30, capital mundial da cultura ocidental da época. Contudo, a história torna-se menos colorida se acrescentarmos um dado na biografia do autor: tudo isso ocorreu somente quando ele tinha 44 anos. Até então, Henry Miller era um cidadão humilde de Nova Iorque, que fizera de tudo na vida para se sustentar, mas ao mesmo tempo não conseguia permanecer em nenhuma atividade por reconhecer sua verdadeira vocação na escrita - e por conta disso, era discriminado pela própria família.

Antes de decidir largar tudo de vez e partir para a França para escrever e publicar Trópico de Câncer, Miller alternava bicos e empregos temporários com a elaboração e a produção de livros que ninguém conhecia/reconhecia, e um desses manuscritos deu origem a Crazy Cock, publicado então somente na década de 60, a partir de um manuscrito improvavelmente recuperado. A história da época da produção desse livro é bem descrita na introdução da edição que li:

"Corria o ano de 1927. A segunda mulher de Henry Miller acabara de fugir para a Europa com sua amante lésbica, e ele se recuperava de um longo período que chamou 'desintegração nervosa'. Humilhado e sem dinheiro, ele se vira obrigado a voltar para a casa de seus pais, perplexos com a incapacidade desse filho de 36 anos de viver à altura das expectativas eminentemente burguesas da família. Em desespero, aceitara um emprego sem futuro em um escritório oferecido por um rival dos tempos de infância. Uma noite, porém, permaneceu na firma depois do expediente e começou a datilografar sem parar. Passada a meia-noite, uma pilha de páginas datilografadas em espaço um - uma torrente de palavras - repousava ao lado. Eram notas para o livro que Miller sentiu estar fadado a escrever: a história de seu casamento com June, do amor desta por Jean Kronski, e de sua própria e total degradação com a traição da mulher. Essas notas se transformariam em Crazy Cock, terceiro romance de Henry Miller e seu mais seguro passo em direção a Trópico de Câncer, a grande realização literária que viria poucos anos depois."

O ponto alto da produção literária de Henry Miller são os livros nos quais ele transforma suas experiências pessoais em prosa de altíssima qualidade, mais especificamente os anos ao lado de June, sua musa maldita. Em Crazy Cock, Miller aborda o conturbado período na década de 20 em que viveu com June e Jean, até a fuga destas para a Europa - tema que foi retomado na trilogia A Crucificação Encarnada, publicada entre 1949 e 1960. A ideia inicial para o título era Lovely Lesbians (Amáveis Lésbicas), mas como a prosa é voltada para o protagonista, e não para as duas mulheres, houve a alteração para Crazy Cock (Pinto Louco).

Sendo basicamente um protótipo da escrita posterior de Henry Miller, Crazy Cock é algo diferente de seus livros mais famosos. A narração autobiográfica em primeira pessoa, característica marcante do autor, é substituída pela utilização de personagens em terceira pessoa (Miller é Tony Bring, e as mulheres têm os pseudônimos Hildred e Vanya), certamente uma demonstração de insegurança do escritor inexperiente. Além disso, é uma narração mais linear, mais lógica do que em Trópico de Câncer, porém já apresentando algumas passagens introspectivas próprias de Henry Miller. Outro importante ingrediente milleriano que falta nesse livro são as famosas descrições de atos sexuais, apesar do título sugestivo - um aspecto da obra de Miller que proporcionou seu banimento na moralista e hipócrita América durante décadas.

Crazy Cock é um livro muito tenso, que consegue passar para o leitor o que acontece na cabeça de um homem que, por conta de um amor absurdo, obsessivo, talvez doentio, se submete a dividir o mesmo teto com sua mulher e a amante lésbica, sendo sempre colocado em segundo plano pelas duas. Um livro escrito por um grande autor ainda inexperiente, mas nem por isso sem qualidade.

Me interessei em ler este livro porque Henry Miller é um dos autores mais importantes para mim, um verdadeiro herói literário, alguém com quem eu quero parecer quando crescer, e recomendo essa boa leitura para qualquer um, mas para quem ainda não o conhece, sugiro a leitura de algum de seus livros mais marcantes, pois não dá para comparar esse trabalho da época de amador com os livros que o deixaram famoso. Trópico de Câncer causou em mim uma grande revolução mental na minha época de adolescência, e até hoje pego ocasionalmente para reler trechos marcantes. É uma relação tão especial que tenho com esse livro que talvez por isso eu não consiga escrever mais detalhadamente sobre ele aqui no blog e tenha que pegar outros trabalhos menores para poder falar de Henry Miller, mas a dica está dada.

Editora: Siciliano
Páginas: 198
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * *

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Superfreakonomics - Steven Levitt e Stephen Dubner


Em 2005, o economista Steven Levitt e o escritor Stephen Dubner se juntaram para escrever um livro de economia diferente de todos os outros já lançados, que abordasse situações cotidianas através de uma ótica bem incomum, estranha até, e daí surgiu Freakonomics (trocadilho entre as palavras economia e estranho), que vendeu 4 milhões de exemplares. Com a proposta de mostrar o "lado escondido" das coisas, o livro insere conceitos de economia nas coisas mais triviais com as quais nos deparamos diariamente, numa linguagem acessível a qualquer leigo no assunto. A capa sugere a surpresa da leitura através da foto de uma maçã verde cortada, e em seu interior o conteúdo de uma laranja.

Fiquei bem interessado nesse livro, mas nunca li e não é sobre ele que vou escrever, mas sim do segundo livro da série, o Superfreakonomics, que como não é uma continuação direta de nenhum assunto tratado no primeiro, pode ser lido sem problemas. A proposta continua a mesma: mostrar o lado desconhecido de certas situações do cotidiano e exemplificar conceitos de economia através de atitudes que qualquer um toma em sua vida, por exemplo, demonstrar que a discriminação de preços, uma estratégia utilizada por empresas monopolistas, também é utilizada pelas prostitutas de rua (tudo bem que nem todos os leitores são prostitutas ou recorrem aos seus serviços, mas há diversos outros exemplos com os quais qualquer um pode se identificar).

Ao longo do livro, muitos assuntos interessantes, bizarros e, por vezes, ridículos são apresentados por essa ótica de um economista nas palavras de um escritor: qual a relação entre o tamanho do pênis dos indianos e o controle de natalidade? Que tipo de pessoas visita asilos? Como fazer seu filho ser um astro dos esportes? Por que a quimioterapia é tão utilizada se é tão ineficaz? E por aí vai. As informações a respeito dos diversos (e às vezes esdrúxulos) assuntos são conseguidas por meio de trabalhos de especialistas em economia ou qualquer outra área, por entrevistas, estatísticas, experiências e interpretações de dados.

Apesar da boa recepção, tanto o Freakonomics como sua sequência receberam algumas críticas por causa da falta de crédito de muitas dessas fontes, de interpretações erradas e de posições controversas. Em Superfreakonomics, o tema mais delicado é o aquecimento global. Neste ponto, os autores foram duramente criticados por diversos especialistas em economia e ciências (incluindo publicações importantes como The Guardian e The Economist), por causa de suas colocações sobre a relativização do papel do dióxido de carbono e a defesa de que o clima global pode ser regulado pela ação humana.

Durante a leitura, também tive essa sensação de que havia muita coisa surpreendente e divertida ali, mas que ao mesmo tempo algumas informações eram meio duvidosas, retiradas de estudos de pesquisadores que ninguém nunca ouviu falar. Além disso, o texto começa leve e agradável, mas através das páginas torna-se cansativo e repetitivo, e atrelado a alguns assuntos não tão interessante, torna a leitura um pouco monótona em algumas passagens. Em suma, Superfreakonomics é um livro diferente e original, com alguns problemas de conteúdo e escrita. Dá pra ler, mas no meu caso não estimulou a leitura do outro livro da série, prefiro devorar um bom manual de economia.

Editora: Campus
Páginas: 247
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

Obs: O preço da edição brasileira é muito alto (como qualquer livro da editora Campus), comprei a edição original importada por 1/3 do valor (e a capa é mais legal, a tal da maçã explodindo, em vez de cortadinha como na foto acima).

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Bórgia - Alejandro Jodorowsky e Milo Manara

Durante a Renascença, a Igreja passava por um de seus momentos mais sórdidos: corrupção, luxúria, avareza e abusos de todos os tipos estavam na ordem do dia da maioria do clero, do mais insignificante padre de vilarejos europeus até a representação máxima da instituição, o papa. Qualquer um que tenha passado pelo ensino médio sem dormir nas aulas de história sobre Reforma Protestante já ouviu esse papo sobre os motivos da revolta de Lutero, mas dificilmente um material didático apresenta detalhes do grau de violência e depravação dos homens que se aproveitavam dos limites da racionalidade das pessoas naquela época. Crimes como estelionato, estupro, abuso de poder e assassinato político são apresentados sem clareza de como ocorriam e quem os cometia, diluindo a culpa simplesmente entre "alguns membros da Igreja".

O fato é que quem cometia tais crimes eram pessoas com nomes, famílias, histórias, enfim, pessoas passíveis de serem estudadas e biografadas, e nenhuma dessas pessoas representou o ponto mais baixo deste quadro vil como Rodrigo Bórgia, posteriormente papa Alexandre VI (de 1492 a 1503). Personagem impressionante por utilizar as estratégias mais cruéis para chegar ao poder, Bórgia e sua família foram parar nas mãos de dois artistas que, além de tecnicamente destacados, apresentam características de trabalho perfeitas para retratar uma biografia em quadrinhos cheia de violência, perversões sexuais e situações bizarras: Alejandro Jodorowsky (escritor e cineasta ícone da contracultura) e Milo Manara (talvez o maior nome dos quadrinhos eróticos de todos os tempos).

Bórgia é uma série em quatro volumes iniciada em 2004 ainda não concluída pelos autores, na qual é contada a história do papado de Alexandre VI e sua família, que inclui filhos e amantes. A demora do lançamento de novos volumes da série não se justifica pelo tamanho do material (cada volume não tem mais de 60 páginas), mas talvez pelo apreço dado pelos autores à qualidade do trabalho. Certamente, Bórgia é uma das histórias em quadrinhos mais magníficas dos últimos tempos, do modo como a história é contada à beleza artística de cada quadro.

O título do primeiro volume, Sangue para o Papa, já prepara o leitor para o teor da história, que começa com a iminente morte do papa Inocêncio VIII, que não tem nenhum escrúpulo em sacrificar quem quer que seja para ter alguns momentos a mais de vida. Rodrigo Bórgia, percebendo sua chance, inicia as maquinações para herdar o posto do moribundo Inocêncio, o que inclui subornos, assassinatos, chantagens, sexo e até mutilações de 150 pênis de uma só vez! O segundo voulme, O Poder e o Incesto, mostra Bórgia já como Alexandre VI lutando para manter-se no poder e colocar sua família no mesmo caminho, e o terceiro, As Chamas da Fogueira, lançado no ano passado, continua a saga da família num momento em que o papa é seriamente ameaçado por forças externas, terminando em aberto para que o arco seja concluído no volume seguinte, que sebe-se-lá quando será lançado.

O roteiro de Jodorowsky dá conta do ritmo necessário para uma obra com a quantidade de páginas que esta tem, apesar de exagerado e certamente não realístico - afinal, quem já viu algum filme de Jodorowsky sabe que não pode esperar algo diferente dele. A vida de Bórgia e seus comparsas não é tratada aqui como uma biografia afinada com a história, mas um trabalho livre para explorar aspectos da maldade e sede de poder do ser humano, o que funciona muito bem.

A arte de Manara está impecável. Apesar de ter minhas reservas quanto à qualidade dos desenhos deste artista em outros trabalhos (principalmente quanto ao machismo de colocar o mesmo olhar de puta e boca de boqueteira em todas as suas mulheres!) e não considerá-lo um gênio como outros o fazem, tenho que admitir que nessa série Manara conseguiu me convencer. Diferente de besteiras como "O Clic" (a série que o deixou mundialmente famoso), aqui o artista dá mais atenção a cada quadro para que mostre com clareza as expressões e os sentimentos dos personagens, e quando a cena se afasta para mostrar um plano mais aberto, alguns quadros lembram pinturas de Brueghel, com os detalhes da vida cotidiana daquela época - só que, neste caso, de uma perspectiva mais pervertida.

Há que se enfatizar também que, se os exageros de Jodorowsky na postura dos personagens e nas situações escabrosas tornam a história dificilmente de acordo com o que realmente aconteceu, é notório que houve uma pesquisa séria para que figuras históricas e cenários fossem retratados com a maior fidelidade à realidade. Observando alguns quadros da época, percebe-se a semelhança com os desenhos de alguns personagens, e as vestimentas, ambientes e objetos são bastante fiéis. Ainda assim, alguns personagens foram estilizados e não copiados das pinturas da época, como é o caso de Lucrécia, filha do papa, que foi transformada numa mulher arrasadora, diferente da retratada nos quadros.

Bórgia é uma obra de arte contemporânea que vale a pena ser lida e tê-la em sua estante, até pelo tratamento digno da edição brasileira (capa dura e papel couchê) mas atenção para um detalhe editorial: a editora Conrad vem publicando alguns de seus livros com um selo "edição especial", que nada mais são do que edições mais baratas e com menor qualidade. Comprei recentemente o terceiro volume de Bórgia pela internet, e quando chegou tive a surpresa desagradável: a edição não veio com a bela capa dura dos outros dois volumes, desfigurando a minha coleção. Mais uma da Conrad, a editora que, desde o limiar do milênio, vem publicando excelentes obras que fazem com que se destaque no mercado editorial, mas em contrapartida, frequentemente apronta uma dessas com os leitores.

Editora: Conrad
Páginas: 50 a 60 em cada volume
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

Bórgia em pdf

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Derrotista - Joe Sacco


É guerra? Pode crer então que, apesar de todos os riscos, vai haver um monte de gente desarmada indo para lá a trabalho, para produzir relatos dos seus detalhes mais sórdidos. Antes uma grande novidade, a reportagem de guerra foi, através do tempo, produzindo muita coisa sensacional ("Corações e Mentes", filme sobre o Vietnã, e "Guerra dos Bálcãs", fantástico livro de John Reed sobre a I Guerra Mundial - que não sei porque ainda não está nesse blog), mas o tempo não perdoa, e o que era novidade no passado vira banalidade, sobretudo após a proliferação das coberturas televisivas ao vivo. Todo gênero precisa de reinvenções esporádicas, e quando a reportagem de guerra dava seus sinais de acomodação, surge uma figura chamada Joe Sacco com relatos sobre áreas barra-pesadas como a Palestina ou a Bósnia da década de 90... em quadrinhos.

Joe Sacco fez fama e ganhou muitos prêmios ao longo de sua carreira por suas obras de jornalismo em quadrinhos, mas no auge do sucesso, pouca gente conhecia seus trabalhos underground anteriores. Foi quando Derrotista foi lançado, um álbum que mostra o trabalho do artista quando jovem, com toda a sua inexperiência e falhas típicas de um novato, mas por outro lado, as origens de sua exemplar carreira e as influências que o levaram a abordar os temas que o fizeram famoso - guerra e viagens pelo mundo afora.

O trabalho de Joe Sacco nessa fase é claramente influenciado pelos ícones dos quadrinhos underground Robert Crumb e Harvey Pekar, em alguns desenhos e temas autobiográficos (Sacco também já foi desenhista da American Splendor). O primeiro capítulo é um exemplo - Gênio dos Quadrinhos é bem ao estilo "um dia na vida de alguém comum" de Pekar, e o excesso de sombreado vem dos desenhos de Crumb. No meu dia de folga segue a mesma linha de roteiro, mas com um desenho já diferente, e Na companhia do cabelo comprido mostra as experiências de Sacco ao lado de uma banda de rock em turnê pela Europa.

O que mais se parece com os álbuns posteriores de Joe Sacco são as histórias Quando as bombas acontecem para as pessoas más e Mais mulheres, Mais crianças, Mais rápido. A primeira não é uma história em quadrinhos, mas sim ilustrações acompanhadas de citações de personagens reais da II Guerra Mundial que mostram os absurdos e contradições na política de bombardeios de alvos civis. A segunda é bem no estilo do autor, um relato sobre a II Guerra Mundial em Malta, sua terra natal, de acordo com as lembranças de sua mãe - menos história oficial dos livros e mais aspirações, necessidades e sentimentos das pessoas comuns.

Derrotista apresenta também um lado pouco conhecido de Joe Sacco, o humor ficcional, com bons e maus momentos. Oito personagens é uma coleção de pequenas histórias de cerca de quatro páginas sobre nove (!) personagens absurdos, como Johnny Frase-Feita ou Mark Massa-de-Manobra, coisa bastante divertida que contrasta com uma outra coleção chamada Apócrifas, que não é lá essas coisas.

Apesar das séries sobre a Palestina e a Bósnia serem muito melhores do que Derrotista, este álbum é bom, divertido e merece ser lido, mas para quem não conhece o autor, Palestina é o mais indicado - escreverei sobre esta série em breve aqui no blog. Joe Sacco vem ao Brasil em julho, na Flip, que cada vez mais abre espaço para artistas de quadrinhos. Ano passado veio Robert Crumb, mas infelizmente não consegui ir. vamos ver se esse ano eu consigo superar duas dificuldades de sempre em relação a este evento anual: a) lembrar de acompanhar as notícias no site para conseguir comprar os ingresso, que se esgotam rapidamente; b) conseguir algum lugar para dormir com preço razoável em Paraty nessa época, dificuldade maior ainda!

Editora: Conrad
Páginas: 217
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Deadeye Dick - Kurt Vonnegut Jr.


Kurt Vonnegut Jr. é um autor que, antes de ler, eu já sabia que me tornaria fã. Cheguei a este autor pesquisando sobre outro assunto, não me lembro ao certo se era sobre a banda Deadeye Dick (da música New Age Girl, que me traz deliciosas lembranças afetivas dos anos 90) ou armas nucleares, mas logo que soube do teor de suas obras e de sua vida, tratei de procurar algo escrito por ele. Coincidentemente, primeiro livro seu que encontrei garimpando num sebo foi justamente Deadeye Dick, não tão conhecido como suas principais realizações, Café da manhã dos Campeões, Cama de Gato e Matadouro 5, que virou filme.

A obra de Vonnegut é caracterizada primeiramente pelo humor inteligente, que se mostra nas situações absurdas criadas pelo autor. Um breve resumo do livro em questão comprova isso: Deadeye Dick (gíria para indicar alguém que tem uma ótima pontaria com armas de fogo) é o apelido pejorativo do protagonista Rudolph Waltz, recebido na adolescência, após dar um despretensioso tiro para o alto e acertar a bala no meio da testa de uma mulher que arrumava a casa a oito quadras. O acontecimento bizarro é apenas a premissa para uma história de humor negro, que tinha tudo para ser deprimente se tivesse sido contada de outra forma que não a de Vonnegut. Como escreveu um crítico a respeito do livro: "Deadeye Dick é tão leve que, quando acaba, você quase esquece que contém uma morte por radioatividade, um duplo assassinato... uma decapitação, uma nevasca que mata centenas, e... a aniquilação de uma cidade inteira por uma bomba de nêutrons".

A segunda característica de Vonnegut é a criação de personagens extremamente cativantes, sejam amáveis ou odiáveis. A vida de Rudolp Waltz sempre foi medíocre - teve um emprego entediante, todos de sua cidade o tratam mal por causa do acidente e nunca amou ou foi verdadeiramente amado nem mesmo pelos seus pais -, porém ao estilo Harvey Pekar, consegue através de sua narração torná-la agradável e engraçada. Paralelamente, o protagonista apresenta histórias de diversas pessoas de sua cidade, como o homem que fugiu para a Ásia com a obsessão de encontrar a cidade de Katmandu, ou seu próprio pai, que na juventude foi amigo e salvador de um jovem pintor austríaco chamado Adolf Hitler. O autor aparenta ter uma facilidade tão grande em criar personagens que em diversas passagens, pessoas são simplesmente citadas pelo narrador, e em apenas uma frase é construído um personagem que, se não complexo, dá margem para a imaginação do leitor correr solta, como neste trecho em que apresenta o destino de alguns destes interessantes coadjuvantes: "Eugene Debs Metziger vivia em Atenas, Grécia, onde possuía vários cargueiros com a bandeira da Libéria."(...) "Sua irmã, Jane Addams Metzger, que encontrou sua mãe morta e o aspirador ligado há tanto tempo, uma garota gorda e feia, como recordo, e ainda gorda e feia, de acordo com Ketchum, vivia com um roteirista tcheco refugiado em Molokai, no Avaí, onde comprou um rancho e criava cavalos árabes". Muitos de seus personagens aparecem em mais de um livro, fazendo parte de um universo vonnegutiano coerente, bem como alguns conceitos e locais.

Outro importante ponto na obra de Kurt Vonnegut Jr. são os temas abordados, sempre de acordo com suas posições em relação à sociedade. A crítica central em Deadeye Dick é a questão das armas nos Estados Unidos, a mesma que Michael Moore abordou em Tiros em Columbine, mas há bastante espaço para outras situações de uma sociedade cheia de contradições como é a americana, como por exemplo o racismo. Vonnegut era socialista, humanista e tinha posições bem liberais em relação a temas delicados como a eutanásia. Sobre religião, ao longo da vida se declarou de diversas maneiras, como cético, agnóstico, ateu, e achava que o que motivava as pessoas a entrarem para alguma igreja era a solidão.

Deadeye Dick serviu-me muito bem como introdução à obra desse fabuloso autor, e já consegui alguns outros livros seus por preços baixos em sebos e feirinhas, porém infelizmente em português. Existe uma antiga versão traduzida de Deadeye Dick, mas com um título adaptado tão absurdo ("Bode Vermelho"!) que me faz temer pelo conteúdo. Os originais são mais difíceis de encontrar aqui no Brasil, mas estou de olho caso me depare com algum deles daqui pra frente.

Editora: Bantam Dell (em inglês) e Difel (em português, se você tiver coragem)
Páginas: 240
Disponibilidade: normal em inglês, esgotado em português.
Avaliação: * * * * *

Links relacionados:

Matadouro 5 - Kurt Vonnegut

Revolução no Futuro - Kurt Vonnegut