sexta-feira, 26 de março de 2010

Triste Fim de Policarpo Quaresma - Lima Barreto

Eu sempre me senti meio envergonhado de conhecer tantos livros, de diversos gêneros, mas ignorar quase completamente os clássicos da literatura brasileira. Até li meia dúzia na escola, alguns ótimos, como "Noite na Taverna" e "O Cortiço", outros terríveis, como qualquer um do José de Alencar, mas a partir do momento que não tinha mais que ler por obrigação, dediquei meu tempo de leitura a outros interesses, e todos esses anos eu ficava, "pô, tenho que tirar um tempo para conhecer Machado de Assis e tal...", mas sempre deixava para depois.

Aí veio essa promoção do Extra da literatura brasileira em quadrinhos, eu comprei o primeiro volume e me senti meio patético em ler as histórias em quadrinhos sem conhecer a obra original, então tirei da estante "Triste Fim de Policarpo Quaresma", depois de mais de uma década intocado. Agradeço muito ao Extra pela promoção, pois se não fosse este estímulo, talvez eu nunca tivesse lido esta excelente história.

Policarpo Quaresma, um dos melhores personagens de romance que já conheci, era um pacato cidadão do Rio de Janeiro dos primeiros anos da república, funcionário público com hábitos estritos, solteirão que vivia com a irmã, mas apaixonado defensor do Brasil em todos os aspectos. Sua inquietude em relação à potencialidade não explorada de seu país o leva à ação radical, primeiramente no aspectos cultural - quando é dado como louco e é internado num hospício -, depois na vida econômica - acabando falido e vencido pela estrutura político-econômica de depreciação do pequeno produtor - e finalmente na política, onde encontra seu triste fim.

"Triste Fim de Policarpo Quaresma" é uma história divertida, leve, muito por causa da recusa de Lima Barreto em utilizar a linguagem rebuscada em voga na literatura brasileira do início do século XX, mas principalmente devido às situações cômicas em boa parte do livro, a começar pelos personagens, todos eles muito medíocres: o general que nunca foi à guerra, o contra-almirante a quem foi dado o comando de um navio inexistente, e até mesmo o próprio Quaresma e sua paixão cega pelo Brasil, um dos poucos personagens que o leitor pelo menos tem simpatia por causa de sua inocência e bom coração (o outro é um violeiro que busca as raízes da música brasileira, e atende pela fantástica alcunha "Ricardo Coração dos Outros").

Outro personagem muito medíocre utilizado por Lima Barreto para desnudar a sociedade brasileira da época é um médico que possuía uma biblioteca exemplar, mas nunca conseguia ler mais do que cinco páginas de cada livro, pois dormia, e ao produzir artigos, "escrevia de modo comum, com as palavras e o jeito de hoje, em seguida invertia as orações, picava o período com vírgulas e substituía incomodar por melestar, ao redor por rededor, isto por esto, quão grande ou tão grande por quamanho, sarapintava tudo de ao invés, empós, e assim obtinha o seu estilo clássico que começava a causar admiração aos seus pares e ao público em geral". Um deboche com os intelectuais da época que insistiam na pompa literária, mas também há uma crítica à elitização do conhecimento, pois fica claro que ao doutor era cabível uma biblioteca, mas a loucura de Policarpo Quaresma, que não tinha título acadêmico, é atribuída por outros personagens ao seu hábito de ler - um deles chega até a sugerir a proibição de livros para quem não tivesse título acadêmico.

O exame da loucura também não fica de fora da escrita de Lima Barreto, tanto na figura de Quaresma como na da menina que enlouquece porque é iludida durante cinco anos pelo noivo e depois é abandonada - fica bem sugestivo que o problema não foi a perda de um amor, mas sim da possibilidade de casar para cumprir seu papel social. Lima Barreto teve o pai internado num hospício, o mesmo acontecendo com ele anos depois, num hospício onde hoje se localiza a faculdade na qual me formei. Aliás, este foi outro aspecto que despertou demais o meu interesse nessa leitura: a apresentação do passado de muitas partes do Rio de Janeiro onde nasci e fui criado, tendo sido o próprio livro escrito na minha vizinhança.

"Triste Fim de Policarpo Quaresma" é daqueles clássicos que não se lê porque é clássico, mas sim pela criatividade, beleza, qualidade da escrita, e por ser acima de tudo uma ótima história. Seguindo a sequência para acompanhar a coleção do Extra, vou atrás de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e alguns contos de Machado de Assis e Lima Barreto, na medida do possível entre tantas outras leituras e a vida real, e tentarei escrever sobre eles aqui também, além das próprias adaptações para os quadrinhos.

Editora: várias (várias mesmo, talvez mais de 20)
Páginas: variável
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

Livro Digital

Audiolivro


sábado, 20 de março de 2010

Operação Mahjong - John Trenhaile

Uma trama de espionagem no meio do mundo financeiro de Hong Kong, ao final da Guerra Fria, envolvendo a KGB e o serviço secreto da China, numa luta pelo controle da colônia que estava prestes a sair de mãos inglesas para o domínio chinês - o livro foi escrito no final da década de 1980, e Hong Kong estava para ser devolvida à China em 1997. Uma ótima chamada para um livro do gênero, mas que infelizmente não se desenvolve tão bem e desperdiça o potencial.

Não que falte ingredientes fundamentais de um livro de espionagem - missões secretas, sabotagem, chantagem e assassinatos - mas por outro lado sobra muita coisa desnecessária. A ideia de John Trenhaile foi no mínimo inovadora: o autor trabalhou como advogado em Cingapura e conheceu muito bem o mundo financeiro dos Tigres Asiáticos, o que lhe deu uma boa noção para escrever este romance com uma trama pautada no mundo dos negócios, e não simplesmente espionagem com ação. O problema é que parece que o autor exagerou um pouco, e a primeira metade do livro é tão recheada de termos técnicos do mundo corporativo que chega a ser enfadonha. Além disso, muitas partes são desnecessariamente alongadas sem muito motivo.

Uma leitura que eu imaginava que duraria dois ou três dias de carnaval se estendeu por mais de um mês, algumas dúzias de páginas entre leituras de outros livros. Personagens muito bons também não dão as caras, e eu teria desistido do livro na página 100, não fosse o ambiente oriental e os aspectos da sociedade chinesa bem trabalhados por alguém que lá viveu por um tempo, temas que tanto me atraem, como se pode confirmar com a quantidade de livros a respeito do oriente sobre os quais já escrevi por aqui. Consegui terminar mas, por causa dessa dicotomia tema interessante x desenvolvimento fraco, o resultado foi uma leitura não mais que regular.

Editora: Best Seller
Páginas: 445
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * *

segunda-feira, 15 de março de 2010

Dica para leitores do Rio


O jornaleco Extra, versão, digamos... mais popular do jornal O Globo, decidiu dar sua mínima contribuição para a cultura nacional, e a partir dessa quarta vai publicar semanalmente um clássico da literatura brasileira na forma de história em quadrinho. Serão dez volumes, publicados todas as quartas, por R$ 5,90, começando com "O Triste Fim de Policarpo Quaresma", de Lima Barreto. Para quem costuma fazer promoções como "Meu sonho é ser modelo", já é um começo...

Sites especializados deram a dica, mas até agora nenhuma informação no site do jornaleco. Para ver as capas dos outros volumes, clique aqui.

quarta-feira, 10 de março de 2010

As Eras de Eric Hobsbawm



Quando se pensa em História contemporânea, não há personalidade viva mais famosa que Eric Hobsbawm. Em seus 92 anos, teve tempo para escrever sobre muita coisa interessante, como jazz, movimentos sociais, marxismo e nacionalismo, mas o que mais o deixou em evidência foi sua série sobre o mundo contemporâneo, desde 1789 até os dias de hoje, divididos em quatro eras.

A primeira delas é a Era das Revoluções (1789-1848), primeiro livro da série que trata do início do mundo contemporâneo através das duas revoluções que viraram ao avesso tudo que existia antes: a revolução social (Revolução Francesa) e a revolução técnica (Revolução Industrial). A segunda foi denominada Era do Capital (1848-1875), quando o sistema capitalista se estabelece de vez, iniciada logo após a última tentativa de revolução que ameaçou sua sobrevivência (a Primavera dos Povos). A terceira era foi batizada de Era dos Impérios (1875-1914), quando o capitalismo se desenvolve e assume sua nova face, com a extrapolação do sistema de exploração de capitalistas sobre trabalhadores europeus para o resto do mundo. A última das eras é a chamada Era dos Extremos (1914-1991), quando todo esse sistema capitalista, aparentemente solidamente estabelecido, é abalado em várias frentes, e o pandemônio se estabelece na História.

Em princípio, a série seria uma trilogia, terminando na Era dos Impérios, e por isso os três primeiros livros têm estrutura muito parecida, apresentando primeiramente uma análise dos acontecimentos do período, e uma segunda parte discorrendo sobre temas específicos como a terra, o trabalho, as artes, a ciência e a religião. São livros um pouco complexos para quem não tem contato com a área, incorrendo em referências específicas e linguagem pouco popular, mas sem chegar a um ponto de impedimento aos leigos. Todos os três contam com volumosos cadernos de ilustrações.

A Era dos Extremos, apesar de fazer parte da História contemporânea, é uma reviravolta radical ao sistema em vigência anteriormente, assim como o livro se diferencia dos demais da série. Escrito em linguagem mais acessível, e tratando de temas cronologicamente mais próximos de qualquer leitor (até quem está nos seus vinte e poucos anos se lembra de alguns fatos tratados no livro) e, em minha opinião, muito mais interessantes, a conclusão da série de eras de Hobsbawm é, ao mesmo tempo, um excelente livro para quem quer se inteirar de aspectos fundamentais do nosso mundo, como para estudos mais profundos. É leitura obrigatória para formandos em História, bibliografia certa em concursos da área e muito utilizado por pesquisadores, mesmo de áreas distintas, quando fazem citações históricas. Não obstante, é uma leitura muito prazerosa.

Eric Hobsbawm nasceu no Egito britânico em 1917, viveu boa parte do período sobre o qual escreve, sendo militante da esquerda. Uma história parecida com a do rei da arquitetura, Oscar Niemeyer, e assim como ele, continua ocupando o trono de rei em sua área enquanto estiver vivo.

Editora: Paz e Terra (os 3 primeiros) e Companhia das Letras (Era dos Extremos)
Páginas: 600, 540, 608 e 598
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

Livro Digital "A Era dos Extremos"

quinta-feira, 4 de março de 2010

Os Filhos de Duna - Frank Herbert

Terceiro livro da maravilhosa saga de Frank Herbert, "Os Filhos de Duna" mostra a geração seguinte a Paul Atreides, o personagem principal da série. Os gêmeos órfãos Leto e Gahnima, com 9 anos de idade - apesar de possuírem as memórias e a maturidade de todos os membros de sua linhagem, adquiridas através de um processo meio místico, meio químico - estão na posição de herdeiros do império de seu pai, mas aguardam a maioridade para governar. Enquanto isso, Alia, a irmã de Paul que é tida como uma santa viva, permanece no posto de regente. Como nos livros anteriores, uma trama político-religiosa se desenvolve, com alguns envolvidos em busca do produto mais importante do universo - a melange, um tipo de especiaria que só se desenvolve no planeta Duna -, outros do trono do império e ainda alguns Fremen (o povo nativo do planeta) buscando redenção espiritual e a salvação de sua cultura. Os personagens principais, além de lutarem para permanecerem vivos, enfrentam a iminência de uma catástrofe ambiental que pode destruir o planeta e comprometer toda a comunidade do universo. A história é intercalada em três ou quatro frentes, narradas paralelamente, se entrelaçando aos poucos, com personagens que migram de uma linha narrativa para outra.

Depois de ler "Os Filhos de Duna", tive a impressão que o anterior ("O Messias de Duna") funciona como um interlúdio entre o terceiro e o primeiro livro, mas também parece que os três formam uma trilogia coerente. Interlúdio porque o primeiro e o terceiro são muito mais densos que o segundo, tanto pelo número de páginas como pela profundidade da trama, mas trilogia porque ao final de "Os Filhos de Duna" claramente fecha-se um ciclo (dizer aqui qual é este ciclo revelaria informações fundamentais da saga para quem ainda não leu).

Apesar de o segundo e o terceiro livros (e pelo que sei, qualquer outro da série) não atingirem a repercussão e a qualidade do primeiro, "Os Filhos de Duna" fez com que a saga se consolidasse de vez para mim como minha predileta, me estimulando ainda mais a ler todos os outros livros (mais três de Frank Herbert e, até agora, 11 de seu filho Brian Herbert e Kevin Anderson, apesar de fãs mais "puristas" rejeitarem totalmente estes, mesmo sob o argumento de que foram escritos baseados em anotações do criador). Porém, meu maior estímulo foi ler o livro no idioma original, o que me fez descobrir que, independente da criatividade do universo Duna, a qualidade da escrita de Frank Herbert é muito superior ao que eu pensava, e que as traduções brasileiras da série são fracas demais. Acrescido a isso o fato de que os livros em inglês são muito mais baratos do que as versões brasileiras da editora Nova Fronteira (tanto em sebos como em livrarias), e que o primeiro e o último da edição brasileira estão esgotados há anos, já estou correndo atrás dos originais, inclusive dos dois primeiros volumes que li em português para reler.

Editora: Nova Fronteira (publicado em inglês por diversas editoras)
Páginas: 524
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

Livro Digital


terça-feira, 2 de março de 2010

X-Men 50 - Chris Claremont e Marc Silvestri

Muito antes dos X-Men vestirem as roupas de couro preto nos cinemas e ficarem tão conhecidos como o Indiana Jones ou o Super-Homem, eles já tinham uma legião de seguidores entre os fãs de quadrinhos. Desde meados da década de 1970 - com a reformulação do grupo por Chris Claremont e a entrada de personagens que fizeram bastante sucesso, como Tempestade, Noturno, e principalmente, Wolverine - até o lançamento do primeiro filme em 2000, diversas foram as fases do grupo - acredito eu que as de maior qualidade superaram as menos felizes durante estes 25 anos.

Uma dessas boas fases apareceu aqui no Brasil em 1992, por volta da edição brasileira de número 50 da editora Abril. Como todo número redondo tem que ser comemorado (essa mania das pessoas que as empresas e o marketing aproveitam), esta revista teve o formato de edição especial, com mais páginas, e recheada exclusivamente com histórias do próprio grupo (as revistas de super-heróis no Brasil quase sempre misturavam histórias dos personagens do título com outros de menor expressão, hábito perpetuado até hoje pela editora que monopoliza o mercado).

O grupo de então tinha metade dos personagens que todo mundo hoje em dia conhece, como Colossus, Wolverine, Vampira e Tempestade, misturados com outra metade desconhecida por quase todo mundo que só conhece os mutantes pelo cinema - Destrutor, Cristal, Psylocke e Longshot. A revista trazia quatro histórias em sequência, todas escritas por Chris Claremont, mas três delas desenhadas por Marc Silvestri, um ídolo da garotada na época (que manteve a qualidade de seu trabalho por muitos anos), e uma por Rob Liefeld, hoje conhecido como o maior canastrão dos quadrinhos (mas que a garotada também gostava). As histórias são divertidas, misturando humor e ação na dose certa, e apresentam uma personagem que teria papel importante nas histórias dos mutantes nos anos seguintes: Jubileu, uma adolescente-problema que salva a pátria e consegue permissão para se tornar uma X-man.

Esses eram os X-Men na época.


A partir dessa revista, os X-Men entram numa fase de reformulação, com a posterior entrada de uma porção de personagens novos e a volta de outros fundamentais como o Professor Xavier e os membros fundadores (Ciclope, Jean Grey, Homem de Gelo, Arcanjo e Fera, que faziam parte de outro grupo na época). Forma-se uma espécie de Dream Team mutante, que leva o grupo a um sucesso sem precedentes, até culminar na produção do filme.

X-Men 50 não é a melhor revista mutante publicada, nem representa a melhor fase de todos os tempos mas, diferente de 99% dos quadrinhos de super-heróis publicados no Brasil, pode ser lida integralmente sem que esteja escrito "continua na próxima edição" no final. Pode ser encontrada em sebos, se procurada com carinho. Aqui em casa ela fica ali, no meio de tantas outras, e de vez em quando eu a pego para dar uma lida e relembrar. Afinal, já vão quase 20 anos...

Editora: Abril
Páginas: 100
Disponibilidade: esgotada
Avaliação: * * * *