segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Bantos, Malês e Identidade Negra - Nei Lopes

"Bantos, Malês e Identidade Negra" teve sua primeira edição na década de 1980, quando poucas obras sobre povos africanos e sua influência no Brasil eram publicadas por aqui, e quase nada se falava a respeito do tema nas escolas e nas grades curriculares básicas das universidades. De lá pra cá, a pressão de educadores e entidades da sociedade civil promoveu a popularização do assunto, até que em 2003 foi estabelecida uma lei que obriga o ensino da história africana e dos negros no Brasil nas escolas, e hoje, tanto livros que tratam da história como a literatura africana são de fácil acesso - ainda que a "moda" tenha encontrado seu apogeu há cerca de 5 anos, e hoje tenha perdido um pouco do apelo para áreas mais faladas ultimamente, como China e Índia. Neste contexto, o livro de Nei Lopes me parece um tanto pioneiro, pois desconheço trabalhos de acesso fácil ao público não-especializado anteriores a ele no Brasil.

Prova da acessibilidade deste livro é sua organização. Dividido em duas partes, cada qual apresentando uma visão geral sobre cada um dos dois principais tipos de povos africanos que desembarcaram no Brasil como escravos, a escrita de Nei Lopes não é rebuscada e os temas são expostos desde os conceitos mais fundamentais - talvez porque não seja historiador e, consequentemente, não tenha seus vícios.

A primeira parte, que trata dos malês - nome genérico dado aos escravos de religião islâmica - é iniciada com aspectos bastante básicos da religião muçulmana, de sua expansão pela África, dos motivos da conversão de vastas áreas e do aspecto mais impressionante desta religião que muitas vezes nos é apresentada como purista e radical: o sincretismo que ocorreu entre o Islã e as religiões africanas tradicionais. Certa vez, o embaixador Alberto da Costa e Silva descreveu o constrangimento de uma autoridade de um país africano islamizado durante uma demonstração popular onde o Islã era celebrado ao som de batuques...

-->O Islã sofreu ainda mais modificações no Brasil. Os malês eram caracterizados como rebeldes, e esse islamismo criou a mítica do negro altivo, insolente, insubmisso e revoltoso. Ademais, eles eram intransigentes em seus princípios religiosos, o que gerava a antipatia de outros negros, principalmente os Bantos. Eram temidos pelas suas “feitiçarias” (a palavra mandinga tem origem no nome de um grupo étnico islamizado). Os malês representaram uma unidade acima das distinções étnicas, com uma escrita própria (todos eles eram alfabetizados em árabe), mas principalmente um importante fator de mobilização revolucionária - -->estes escravos foram o germe de rebeliões ocorridas na Bahia de 1807 a 1835 (ficando o movimento de 1835 conhecido como “revolta dos malês”). Tudo isso é relatado no livro com bastante transparência, sem termos específicos de historiadores ou palavras tiradas de dicionários do século XIX.

A segunda parte do livro aborda os bantos, originalmente a denominação de um tipo linguístico africano, mas significando na realidade brasileira praticamente -->todos os grupos étnicos negro-africanos do centro, do sul e do leste do continente que apresentam características físicas comuns e um modo de vida determinado por atividades afins. -->A religião dos bantos, na qual a noção de força toma o lugar da noção de ser e os ancestrais são venerados por causa de sua herança espiritual para a evolução da comunidade, originou o que hoje é conhecido pejorativamente e de forma simplista como "macumba", algo mais arraigado na cultura popular do que negros islamizados. Bem como na parte sobre os malês, aqui o autor aborda as contribuições bantas para a cultura e a história do Brasil, destacando religião, língua e a resistência dos quilombos.

"Bantos, Malês e Identidade Negra" é fundamental para estudiosos iniciantes sobre o assunto, e uma leitura muito agradável para o público em geral que deseja conhecer a história do país em que vive, por muito tempo esquecida em favor do status quo da sociedade pseudo-branca brasileira. Existem edições antigas encontradas em sebos e bibliotecas e uma mais nova, lançada pela editora Autêntica no ano passado.

Nei Lopes é formado em Direito e Ciências Sociais pela UFRJ. Além de escrever livros sobre a África e sua influência no Brasil, é sambista, poeta e escreve um blog sobre tudo isso.

Editora: Autêntica
Páginas: 224
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

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